Em 2010, o Fórum Social Mundial (FSM) completa 10 anos de existência. Para comemorar a data, diversos eventos regionais, nacionais e locais serão realizados ao longo do ano em diferentes países.
As atividades terão como identidade comum a crise global, entendida não apenas como crise econômica, mas também ambiental, alimentar, energética e civilizacional.
Para abrir o processo de discussões, o Fórum volta a Porto Alegre, cidade que abrigou as três primeiras edições do evento. Entre os dias 25 e 29 de janeiro acontece o “Fórum Social 10 Anos: Grande Porto Alegre”.
O Sindicato Químicos Unificados mais uma vez participa ativamente do FSM, e enviará
uma delegação de 12 dirigentes sindicais para o evento no Rio Grande do Sul.
Nesta edição, o Jornal do Unificados traz uma entrevista com o frade dominicano, escritor e assessor de movimentos sociais Frei Betto.
Frei Betto, um dos idealizadores do Fórum Social Mundial
Autor do premiado livro Batismo de Sangue, Frei Betto possui uma intima ligação com o Fórum Social Mundial. Foi assessor da Central de Movimentos Populares, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra e do Instituto Cidadania. Entre 2003 e 2004 foi assessor especial do presidente Lula para o programa Fome Zero.
ENTREVISTA
A verdade é coletiva
Unificados: Em 2010 o Fórum Social Mundial completa 10 anos. Para o senhor, o que isso representa?
Frei Betto: Uma grande conquista, considerando que os prognósticos do FSM, de inviabilidade do neoliberalismo para o projeto civilizatório, são sempre mais confirmados pelos dados mundiais, em especial a crise recente do sistema financeiro e o fracasso na conferência ambiental de Copenhague.
Unificados: Qual é o legado do Fórum nesses 10 anos?
Frei Betto: Tornar-se a mais importante tribuna de articulação dos movimentos progressistas do mundo na busca do “outro mundo possível”, mundo de drástica redução da desigualdade social e aumento da sustentabilidade ambiental.
Unificados: O Fórum tem a característica de aproximar movimentos sociais de diferentes tipos, sindicatos, ONGs, ambientalistas, entre outros. Qual é a importância desse intercâmbio de conhecimento na reorganização da esquerda mundial?
Frei Betto: No Fórum, a esquerda e os movimentos progressistas esquecem seus dogmas e partidarismos para se abrirem ao outro, ao diferente, ao novo, conscientes de
que ninguém é dono da verdade, a verdade é uma conquista coletiva e, na prática, tem nome: justiça e liberdade.
Unificados: E a sociedade civil, que não está engajada num projeto político-partidário?
Frei Betto: Considero que a sociedade civil não engajada em partidos tira mais proveito do FSM do que os partidos, que muitas vezes tentam transformar o Fórum em correia de transmissão de suas ideias e propostas. A grande novidade do Fórum é ser um espaço amplamente ecumênico no sentido laico do termo, onde todos têm iguais direitos e oportunidades, sem vanguardismos e fundamentalismos.
Unificados: Muitas pessoas, principalmente políticos de direita, criticam a falta de resultados concretos. O senhor acredita que o objetivo do fórum seja esse? Apresentar resultados concretos e imediatos?
Frei Betto: O maior resultado do Fórum até agora foi a crise do sistema financeiro capitalista, o que provou que as análises feitas estavam corretas, ou seja, há que buscar uma alternativa ao neoliberalismo, um novo marco civilizatório fora do paradigma produtivismo-consumismo, num projeto de socialização dos bens da Terra e dos frutos do trabalho humano.
Unificados: Devido à crise mundial, antes de sua realização, o FSM de 2009 em Belém do Pará era apontado por muitos como o mais importante dos últimos anos. Ele cumpriu suas expectativas?
Frei Betto: Acredito que sim, pois cada Fórum tem a sua singularidade. A de Belém foi inserir os participantes na Amazônia e sensibilizá-los para a questão ambiental, o universo indígena, a questão da água e dos recursos naturais.
Unificados: Qual é o papel do Fórum nos próximos anos? Outro mundo ainda é possível?
Frei Betto: Pressinto que o Fórum deverá desenhar, de alguma maneira, “o outro mundo
possível”, ou seja, delinear as grandes linhas estratégicas para alcançá-lo e reforçar a
articulação das forças sociais e políticas que dele participam.
Unificados: Para encerrar, e mudando um pouco de assunto, o senhor conheceu e trabalhou com a dra. Zilda Arns, fundadora da Pastoral da Criança. Qual a importância do legado que ela deixa para o Brasil e para o mundo?
Frei Betto: O maior legado da dra. Zilda Arns – a mãe do Brasil – é provar que a mobilização social é capaz de mudar a realidade, desde que suficientemente organizada e com objetivos definidos, inclusive quanto à capacidade de pressionar o poder público e
envolver a iniciativa privada.