Utilizado em lâmpadas, termômetros, pilhas, alguns cosméticos e tintas, o mercúrio desprende vapores invisíveis e sem cheiro que são inalados sem a pessoa perceber.
O mercúrio instala-se nos órgãos, inclusive no cérebro, sem sintomas aparentes, causando demência, problema nos rins e até a morte.
A indústria química é a que mais utiliza o mineral. Além dos consumidores, ela expõe trabalhadores e o meio ambiente ao mercúrio, que pode ser fatal.
A entrevista dessa edição é com a Dra. Cecília Zavariz, especialista em alterações na saúde pela exposição ao mercúrio. Doutora pela Universidade de São Paulo (USP), médica e auditora fiscal do Trabalho do Ministério do Trabalho e Emprego/SRT/SP, ela desenvolve o Programa Nacional de Mercúrio.
Leia e informe-se. Defenda seus direitos e proteja sua saúde!
Unificados: Quais fábricas do ramo químico trabalham com o mercúrio? Em que tipos de empresas os trabalhadores devem estar mais atentos?
Dra. Cecília Zavariz: No Brasil as indústrias do ramo químico que utilizam maior quantidade de mercúrio (toneladas) são as de cloro-álcali, e basicamente fabricam cloro e sódio, hipoclorito de sódio e soda cáustica ou potassa. Existe a tecnologia com membrana, que não é poluente, e deveria ser implantada imediatamente em todas as empresas deste ramo de atividade. Há fabricantes de sais mercuriais, que revendem o produto principalmente para laboratórios. Também é usado na fabricação de lâmpadas, aparelhos de medição, como termômetros e esfigmomanômetros, pilhas alcalinas e tintas especiais de proteção de embarcações. Foi encontrado em cremes clareadores usados na África e que eram fabricados na Inglaterra. É importante ficarmos atentos para a composição dos produtos de beleza que adquirimos. Amalgamado, principalmente com prata tem sido usado em tratamentos de cáries dentárias, mas hoje existem muitos produtos sem mercúrio, que são utilizados e não causam mal à saúde.
Unificados: Quais são os principais efeitos da exposição ocupacional do mercúrio aos trabalhadores?
Dra. Cecília Zavariz: É a intoxicação crônica, devido à inalação dos vapores de mercúrio. Como não tem cheiro e não se enxerga o vapor no ambiente e os sintomas não são súbitos, exceto na intoxicação aguda, os trabalhadores pensam que o elemento não causa mal algum. Porém, o mercúrio vai se depositando nos vários órgãos e no cérebro causando lesões, que vão gerar vários distúrbios para a saúde. O grande problema é a falta de diagnóstico, que só é estabelecido por profissional que tem um conhecimento mais aprofundado do assunto. Os sinais e sintomas são muito variados e dependem das lesões provocadas nos órgãos e sistemas. Alguns dos mais frequentes são dores de cabeça, irritabilidade, insônia, tremores, gosto metálico na boca, sangramento oral, alterações gengivais, gastrite, fraqueza, dificuldade de memória, de atenção, problemas renais. Nos quadros mais graves surge demência, insuficiência renal e até a morte.
Unificados: Quais equipamentos de proteção individual e de proteção coletiva são indicados nessas empresas?
Dra. Cecília Zavariz: O objetivo principal deve ser a eliminação o uso de mercúrio, substituindo-o por outros produtos ou tecnologias mais seguras, visto que não há como eliminar totalmente o risco, mesmo adotando as proteções preconizadas. Enquanto isto não ocorre deve-se providenciar a implantação de sistemas de ventilação geral e exaustão local adequadas. Os equipamentos de Proteção Individual (EPI) (uniformes, luvas, proteção de cabeça, calçados de proteção, máscara, óculos) devem ser adotados como medidas complementares à proteção coletiva e de acordo com a atividade a ser desenvolvida.
Unificados: Como o meio ambiente é afetado? O que é feito com o dejeto da produção?
Dra. Cecília Zavariz: Como o mercúrio não se degrada no meio ambiente, ele contamina as plantas e os animais, inclusive o homem e se dispersa na natureza.(…) quando contamina os animais, como os peixes, o risco de intoxicação é grande podendo causar lesões neurológicas graves e irreversíveis, até a morte. Os resíduos de mercúrio devem ser submetidos a tratamento de modo a recuperar totalmente o mercúrio, que deve ser acondicionado em recipientes rígidos que não se deformam, nem se decompõem, tampados hermeticamente e armazenados adequadamente. Estes procedimentos na grande maioria das vezes não são realizados.
Unificados: Há produtos substitutos?
Dra. Cecília Zavariz: Praticamente para todas as tecnologias há substitutivos. Para as lâmpadas fluorescentes, ainda não temos disponíveis no mercado substitutivas com consumo de energia baixo. Por isso, formamos um grupo, o GT-Lâmpadas, e elaboramos um documento abrangente sobre o assunto, que está servindo de base para discussão e preparação de resolução no CONAMA, Ministério do Meio Ambiente. Para os termômetros existem os digitais sem mercúrio e que já estão sendo usados na maioria dos países desenvolvidos, assim como, em quase todos os hospitais de São Paulo onde realizamos um trabalho de conscientização, sensibilização e estabelecemos acordo de substituição dos aparelhos com mercúrio. Os esfigmomanômetros de coluna de mercúrio podem ser substituídos por aparelhos mecânicos aneróides. Para as pilhas alcalinas também existe tecnologia sem mercúrio. Em medicamentos, vacinas e cosméticos deveriam ser terminantemente proibidos.
Unificados: A legislação atual brasileira garante punição a empresas que contaminam o ambiente e expõem os trabalhadores? O que é preciso ser feito?
Dra. Cecília Zavariz: O mercúrio é o elemento químico cujos malefícios à saúde é conhecido desde a antiguidade e mesmo assim a legislação praticamente é nula. É preciso que sejam estabelecidas legislações que proíbam, por exemplo, a fabricação de cloro-álcalis com tecnologia de mercúrio e diafragma de amianto; a fabricação, importação, comercialização e uso de aparelhos de medição com mercúrio e de vacinas e medicamentos contendo mercúrio, e assim por diante. O tratamento e destino dos diferentes tipos de resíduos com mercúrio e respectivas punições deveriam ser objeto de lei específica em função das particularidades deste elemento químico.