No último mês, em Santos, litoral de São Paulo, um desembargador (magistrado de segunda instância) do Tribunal de Justiça Paulista caminhava na orla da praia. A rotina de exercícios acontecia em meio à pandemia da COVID-19, o que exigia do juiz o uso de máscara facial, a qual não era por ele utilizada.
Um guarda municipal, ao observar a desobediência da norma de saúde, abordou-o. Uma filmagem mostra o juiz, claramente alterado e mostrando sua identidade funcional, dizendo “leia bem com quem o senhor está se metendo”. Junto com a “carteirada”, verbalmente ofendeu o servidor público que lhe abordou. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) abriu um procedimento para apurar o ocorrido.
Ainda em julho, no final do mês, no Jardim Itatinga, em Campinas, uma mulher aparece em um vídeo de um circuito de segurança sendo agredida. O que consegue se ver das imagens são três policiais abordando a mulher após uma correria e, na abordagem, a mulher recebendo um tapa e chute. Logo em seguida, a mulher entra numa casa do outro lado da rua. A Polícia Militar afastou os policiais envolvidos.
Os dois casos têm pontos em comum: foram filmados e suas filmagens circularam na internet. Ainda em comum foram cometidos por pessoas detentoras de autoridade estatal; é bem verdade que, no primeiro caso, ainda que fora do desempenho de suas funções públicas.
As filmagens dos dois casos foram rapidamente propagadas na internet. As redes sociais, bem como os aplicativos de comunicação hoje existentes, propiciam essa rapidez e levam a informação a muitas pessoas.
E, essa ampla divulgação, acaba por mostrar uma realidade que sempre existiu, mas que, com o ferramental tecnológico, submerge das profundezas ocultas do poder e da impunidade: o abuso de poder por parte de determinadas autoridades. Não estamos aqui falando da lei penal específica que trata do tema, mas do fenômeno social que merece ser pensado e discutido.
Como ensinou o filósofo francês Foucault, o poder existe, originariamente, como uma relação de força. Nos casos citados, essa relação de poder é abusiva e precisa ser repensada.
Não se discute aqui a autoridade. O que pretendemos aqui é discutir a ideia e o exercício da autoridade. Mas sim os seus excessos. É preciso que a sociedade abra os olhos para essas atitudes muitas vezes descontroladas e que hajam ações efetivas do Estado para que os casos diminuam e, quando ocorram, sejam apurados e punidos.
Impor limites, ou mesmo fim, a estes abusos, é meio essencial para garantir os direitos e as liberdades das outras pessoas.
Por Antonio Carlos Bellini, que escreve a coluna Direito e Cidadania no jornal do Unificados. É advogado criminalista e sócio do escritório Bellini Júnior & Vilhena Sociedade de Advogados, que atende normalmente por agendamento na sede do sindicato em Campinas ou por videoconferência no período de quarentena