Reprodução na íntegra de reportagem publicada dia 12 de janeiro de 2007, no jornal Correio Popular, de Campinas
Justiça suspende demolição da Shell
Antiga fábrica de pesticidas no bairro Recanto dos Pássaros, em Paulínia, foi interditada a pedido da Procuradoria do Trabalho
Galpão da Shell com telhas já removidas: demolição interrompida por decisão judicial
Tote Nunes DA AGÊNCIA ANHANGÜERA
A juíza Daniela Macia Ferraz, da 2ª Vara do Trabalho de Paulínia, determinou anteontem (10 de janeiro) a suspensão do programa de demolição dos prédios da planta industrial da antiga fábrica de pesticidas da Shell Química S.A. – onde foi registrado um dos maiores desastres ambientais do País, com a contaminação do solo, de águas subterrâneas e de trabalhadores e moradores do bairro Recanto dos Pássaros por resíduos tóxicos e metais pesados.
Atendendo a uma ação cautelar ajuizada pela procuradora Clarissa Ribeiro Schinestsck, da Procuradoria do Trabalho da 15ª Região, a juíza determinou, além da suspensão da demolição, que o Ministério da Saúde faça a designação de peritos para coleta de poeira depositada nas paredes e telhados dos prédios.
Procuradoria teme a destruição de provas com a derrubada
De acordo com a decisão da juíza, o material deverá ser submetido a análise de laboratórios oficiais do governo. A procuradora ajuizou a ação temendo que, com a derrubada dos prédios, ocorresse a destruição de provas de contaminação em eventuais processos trabalhistas contra a Shell ou a Basf – empresa que ocupou a planta em Paulínia a partir de 2000.
A Basf – que é a responsável pelo programa de demolição – informou que ainda não decidiu se vai recorrer da decisão. A empresa ainda vai analisar a determinação judicial.
Moradores do bairro Recanto dos Pássaros e trabalhadores da fábrica de pesticidas conviveram por 25 anos com os efeitos nocivos da planta química, ocupada primeiramente pela Shell Química do Brasil e depois pela Basf. Em 1995, a Shell protocolou uma autodenúncia de contaminação da área no Ministério Público Estadual (MP). No ano seguinte, o laboratório Lancaster, dos Estados Unidos, constatou que os níveis de contaminação eram 16 vezes superiores ao tolerável, mas só em 2000 o MP denunciou o problema.
Em 2001, após detecção de metais como chumbo e titânio no organismo de moradores do bairro Recanto dos Pássaros – onde foi instalada a planta industrial -, a Shell comprou as chácaras localizadas nas imediações e iniciou a demolição das casas. Em 2003, houve a desocupação do bairro e a construção de uma barreira hidráulica para evitar que a contaminação chegasse ao Rio Atibaia. No começo deste ano, a Basf iniciou o processo de demolição dos prédios, que estavam desativados desde dezembro de 2002.
No despacho, a juíza diz que decidiu pela suspensão “para salvaguardar a incolumidade (preservação) do local”. É possível que, depois de coletado o material pelos peritos do governo, a área seja liberada para a conclusão dos trabalhos de demolição.
A derrubada começou a ser feita na segunda-feira e, neste período, 20 caminhões de entulhos foram retirados, segundo informou o auditor fiscal do Ministério do Trabalho, João Batista Amâncio. O coordenador da Associação dos Trabalhadores Expostos a Substâncias Químicas (Atesq), Antonio de Marco Rastero, disse ontem que dois prédios já foram derrubados. De acordo com ele, restam ainda mais sete ou oito construções – entre antigas unidades de fabricação e armazéns para estocagem de produtos.
A Basf informou que a operação de demolição iria ser concluída em 12 semanas. Neste período, deveriam ser retiradas 14 mil toneladas de entulho. O material seria encaminhado para o aterro industrial da SASA, no município de Tremembé, na região de São José dos Campos.
De acordo com a indústria, as atividades começaram com a remoção das telhas de fibrocimento dos prédios, seguida das estruturas de sustentação dessas telhas. Por último, deveria ocorrer a demolição das alvenarias. A Basf – que contratou uma empresa de engenharia para realizar o serviço – garante que não existem mais moradores nas proximidades da fábrica. A empresa diz ainda que não decidiu o que fará com a área após a demolição.
O mandado judicial foi cumprido ainda na quarta-feira. A área foi lacrada e as máquinas e equipamentos retirados do local.
Vítimas
O número de pessoas contaminadas pela Shell Química ainda é uma incógnita. A Atesq sustenta que entre 1977, quando a fábrica foi instalada, até 1995, quando foi iniciado o processo de remediação, 844 trabalhadores passaram pela indústria. A entidade tem 425 cadastrados e acredita que pelo menos 60% desse grupo apresente alguma alteração na saúde por conta do processo de contaminação. “Nós estamos estranhando muito a lentidão da Justiça, porque já ficou muito claro que houve contaminação, mas ainda não temos uma sentença condenatória”, diz. Rastero lembra que, além dos 844 trabalhadores, havia ainda os que eram contratados por empresas terceirizadas. Ele não soube estimar o número de terceiros que passaram pela indústria neste período.