(Foto por Kelly Ramos)
Aos 28 anos, e com quatro livros publicados, o escritor Ademiro Alves (acima), mais conhecido como Sacolinha é um dos principais expoentes do movimento chamado Literatura Marginal.
Apesar de rejeitar o rótulo, e todos os tipos de rótulos, Sacolinha reconhece a importância do movimento surgido nas periferias das cidades brasileiras. Para ele, muitos jovens de comunidades carentes só passaram a se interessar pelos livros após lerem obras de autores conhecidos como marginais.
Seu primeiro livro, Graduado em Marginalidade, lançado em 2005, recebeu elogios da crítica e hoje está na segunda edição. Agitador cultural, como se auto define, o escritor hoje trabalha na Secretaria de Cultura de Suzano, promove o tradicional Sarau Pavio Cultural, na região central da cidade e também o Sarau Literatura Nossa, no Jardim Revista, bairro onde cresceu.
O Jornal do Unificados traz uma entrevista com Sacolinha, onde ele conta sua história e fala sobre o que mais gosta: os livros.
ENTREVISTA
Literatura é literatura
Jornal do Unificados – Por que Sacolinha?
Sacolinha – Trabalhei como cobrador de lotação durante 12 anos, fazia a linha metro Itaquera x Cidade Tiradentes. Assim que cheguei para trabalhar em Itaquera, percebi que todo mundo tinha apelido, todo mundo que chegava era batizado com um apelido. Por eu tirar muito sarro de um ambulante que era conhecido como Sacolinha, acabei também com o apelido de Sacolinha.
Quando comecei a escrever, procurei um pseudônimo. Mas todo mundo já me conhecia como Sacolinha, falei, vai ficar Sacolinha mesmo.
Jornal do Unificados – Mas, antes de escrever, como começou seu interesse pela literatura?
Sacolinha – Eu comecei a ler, a me interessar por literatura somente depois que saí da escola. Graças à Companhia Metropolitana de Trens Urbanos (CPTM) e também à Polícia Militar. Todos os motoristas de lotação estavam sendo obrigados a regularizar a situação dos cobradores, a registrar. Eu fui até o Poupatempo no centro da cidade (de são Paulo) para tirar a minha carteira de trabalho.
Saí do Poupatempo com a Carteira de Trabalho, mas acabei deixando o RG lá. Ele estava defasado, com a foto de quando eu ainda era criança. Na volta, peguei o trem e me bateu um desespero, precisava fazer algo para o tempo passar. Comecei a ler a Carteira de Trabalho. Quando eu percebi já estava na estação de Suzano. Falei… nossa, esse negócio de ler é bom.
Nesse dia, como estava um tempo firme, decidi andar da estação até a minha casa. No caminho fui abordado por uma viatura da Polícia Militar. Eu estava sem RG, mas na Carteira de Trabalho tinha um item que falava que ela substituía o documento de identidade.
Peguei e entreguei para o guarda, ele reclamou que queria o RG, eu falei que a Carteira de Trabalho servia como substituta, que estava escrito lá. Enquanto um me revistava o outro foi na viatura e conversou com alguém pelo rádio e confirmou que a Carteira de Trabalho poderia substituir mesmo o RG.
Eu pensei… poxa, ele é policial, concursado, e não sabia. Não tinha essa informação, e eu tinha adquirido essa informação. Eu voltei andando e pensando… esse negócio de ler é muito bom. Eu passei o tempo no trem, aprendi uma informação que me foi muito útil, vou começar a ler também.
Na casa da minha vó tinha um tio meu que lia muito, e guardava os livros embaixo da cama. Eu fui e pedi um livro emprestado para ele, ele não quis me emprestar, falou que eu não gostava de ler. Quando ele bobeou, peguei um livro emprestado. E gostei tanto que não quis devolver. Depois peguei mais um, outro, sai pegando livros por aí. Por isso as pessoas costumavam dizer que eu roubava livros.
Jornal do Unificados – E de leitor para escritor?
Sacolinha – Em um determinado momento eu era uma biblioteca ambulante. Eu pegava os livros que já tinha acumulado e emprestava, levava na casa de um, pegava da casa do outro. Eu lia muito, 2 ou 3 livros por semana. Lia escondido, lia em todo lugar. Escondido da minha mãe, que falava que eu ia ficar cego de tanto ler.
Eu lia muito, e não tinha com quem conversar. Aí eu comecei a por no papel as coisas que eu estava pensando, minhas reflexões. Colocava alguns pensamentos, algumas frases, fui adaptando para um conto, poesia, e aí descobri que minha praia era a prosa. Foi aí que nasceu o Sacolinha como escritor.
Jornal do Unificados – Quantos livros você tem publicados?
Sacolinha – Quatro. Mas eu tenho também muitas publicações em antologias, em revistas, enfim. Muita coisa.
Jornal do Unificados – Você é formado em letras. Pretende dar aula?
Sacolinha – Eu cursei letras. Dar aula é um projeto futuro, por enquanto eu quero investir na cultura. Aquilo que fazia antes, entregando livros, organizando eventos, shows de Rap, sempre cobrando a entrada com livros. Montei bibliotecas comunitárias.
Hoje consegui montar um espaço legal no meu bairro. Com uma biblioteca comunitária, um espaço com palestras, debates, saraus, oficinas, lançamento de livros. A ideia é que eu consiga montar mais desses espaços culturais, e também mudar outras cabeças por meio da cultura, da literatura.
Jornal do Unificados – Você é um dos principais expoentes do que se convencionou chamar de Literatura Marginal. O que você acha desse termo?
Sacolinha – Eu sou o único desses expoentes que rejeita esse rótulo. Nem literatura marginal, nem literatura periférica, nem literatura negra. Acho que já temos rótulos de mais. É o neguinho, o baianinho, o gay. Não preciso de mais um. Mas não me incomodo quando as pessoas falam que sou escritor marginal, escritor periférico. Não vejo problema, só não me identifico. Para mim, literatura é literatura.
Jornal do Unificados – E sobre o movimento?
Sacolinha – Acho que é um movimento importante, e como todo movimento ele vai passar, é como um trem. Lá na frente ele vai se transformar em outra coisa. Conheço muita gente que só começou a ler por causa desse movimento. Muitos jovens que ouviram a palavra marginal, pensaram: acho que me identifico. São livros com a realidade próxima desses jovens e de suas comunidades.
Muitos leram seu primeiro livro graças à Literatura Marginal, e a partir desse primeiro livro leram outros, ou não, mas agora sabem o que é literatura, podem dizer se gostam ou não. Então é um movimento importante, tem seu papel na sociedade.
Jornal do Unificados – O que é um agitador cultural?
Sacolinha – Eu sempre fui um agitador cultural. Mesmo antes de trabalhar na Secretaria de Cultura de Suzano. Eu organizava eventos de trocas. Passava nas lojas da região e pedia bonés, camisetas e aí trocava por livros. Três livros por uma camiseta, quatro livros por um boné.
Depois eu fui convidado para fazer parte da Secretaria de Cultura da cidade, e continuo fazendo as mesmas coisas que fazia antes, agora com uma estrutura um pouco maior.
Mas o agitador cultural faz isso, esse é o papel. Movimentar a sociedade, organizar saraus, difundir a cultura. Colocar os jovens em contato com a poesia, com assuntos que não estão acostumados.
Jornal do Unificados – Dá para viver por literatura hoje no Brasil?
Sacolinha – Não dá. De jeito nenhum. Nem o Jorge Amado, nem o Paulo Coelho, que tem um grande marketing em torno de tudo que escreve, nem o Moacyr Scliar, que faleceu recentemente e que, além de escritor, deu aula em Universidade Federal para complementar a renda. Se nem esses escritores conseguem ou conseguiram viver de literatura, imagine eu…