Apesar dos avanços na legislação, da busca por jornadas de trabalho com menos horas diárias e de conquistas pontuais de alguns sindicatos, a saúde ainda hoje é um dos principais problemas da classe trabalhadora.
Os problemas de saúde enfrentados pelos trabalhadores são diversos, e vão desde lesões por esforço repetitivo (LER/DORT) em empresas como a Natura e a Unilever, entre outras, até contaminação química, como no caso da Shell/Basf.
Para falar sobre esse importante assunto o Unificados conversou com o médico e professor da Unicamp Doutor Heleno Rodrigues Corrêa Filho (foto acima), especialista em saúde do trabalhador.
ENTREVISTA
“Unificados é boa escola em saúde do trabalhador”
Jornal do Unificados – Recentemente a Natura, uma das maiores empresas do Brasil, demitiu quase 30 trabalhadoras com LER. O problema se estende também para muitas outras fábricas como a Unilever e a Samkwang. Na sua visão, as empresas hoje se preocupam com a saúde e segurança no trabalho?
Dr. Heleno – Essas empresas têm tradição de reprimir o reconhecimento de doenças geradas ou agravadas pelo trabalho. Se fossem somente as empresas isso já seria um problema grave. No entanto, a filosofia denegatória se expande para fora das empresas e está nos serviços públicos previdenciários, de auditorias fiscais, de gestão de políticas públicas e dos poderes judiciário e legislativo.
Os profissionais que fazem gerência de Recursos Humanos e dos profissionais dos Serviços de Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho são formados desde a década de 1970 sob a ideologia do controle, da negação do vínculo, e da negativa do reconhecimento dos problemas gerados pelo processo de trabalho e, mais recentemente, das doenças geradas pelas relações de trabalho.
Os próprios líderes sindicais lutam para formar quadros sindicais que possam resistir à contaminação da ideologia de segurança, que diz que os trabalhadores é que são os responsáveis por tudo que ocorre de errado.
Jornal do Unificados – Qual é o papel dos sindicatos na defesa e garantia da saúde dos trabalhadores?
Dr. Heleno – Os sindicatos são a melhor forma que os trabalhadores têm para se organizar nos locais de trabalho. A união pelo trabalho supera divergências pessoais, políticas e culturais e permite organizar grupos para ação coletiva em defesa da vida, da qualidade do trabalho e do ambiente.
A união de sindicatos em grupos sindicais de interesse comum reforça essa capacidade de atuar. E e a partir de 2008 temos no Brasil as centrais sindicais legalmente reconhecidas como mais uma possibilidade de atuação em defesa da saúde dos trabalhadores. Não há como promover a saúde dos trabalhadores sem a participação e controle diretos dos sindicatos sobre as políticas a serem desenvolvidas.
Jornal do Unificados – Na base do Unificados tivemos o problema da Shell/Basf, que provocou contaminação ambiental e de moradores vizinhos, além de sérios problemas de saúde nos trabalhadores. Qual a responsabilidade das empresas nesses casos?
Dr. Heleno – A responsabilidade das empresas é decorrente de terem trabalhado com pleno conhecimento das consequências ruins da exposição de trabalhadores, população e ambiente a uma tecnologia produtiva que era sabidamente obsoleta e poluidora nos países de origem. Vieram para cá por que lá fora, no caso nos Estados Unidos, não era mais permitido poluir e fabricar do modo que fizeram no Brasil durante mais de vinte anos.
Jornal do Unificados – Para o senhor, a saúde do trabalhador precisa ocupar um posto central nas lutas sindicais?
Dr. Heleno – Para mim, a saúde do trabalhador ainda espera maior reconhecimento pelos militantes sindicais. A tradição de luta sindical no Brasil foi moldada na crença de que um bom serviço de saúde suplementar privado corrigia problemas dos trabalhadores doentes. Levamos mais de quarenta anos para aprender que isso é falso.
Minha escolha de vida profissional dentro da saúde pública pela área de saúde do trabalhador se deu numa época em que ninguém acreditava que um dia os serviços públicos de saúde do trabalhador teriam cogestão sindical e representação popular dentro do Sistema Único de Saúde (SUS). Hoje me sinto recompensado pela existência de sindicatos combativos que se fazem presentes na luta pela saúde do trabalhador.
Participo de um projeto que dá todo o destaque para essa luta pela saúde com as centrais sindicais existentes e mais recentemente com o DIESAT – Departamento Intersindical de Estudos de Saúde e Ambientes de Trabalho.
Esse projeto tem abertura permanente para o ingresso de outras novas centrais caso venham a se organizar. O projeto se chama Observatório de Saúde do Trabalhador (http://www.observatoriost.com.br).
Levamos para dentro do Observatório todas as experiências que podem ser interessantes e bem sucedidas na luta sindical pela saúde e pelo ambiente. Uma das experiências que dão forte impacto é exatamente a luta dos Químicos Unificados e da associação de ex-trabalhadores da Shell/Basf (ATESQ)
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Jornal do Unificados – O senhor conhece o Sindicato Químicos Unificados há algum tempo. Como enxerga a luta desenvolvida pelo Químicos Unificados nesta área?
Dr. Heleno – Conheci o Sindicato Químicos Unificados em 2001, quando uma comissão sindical se apresentou em um Congresso de Saúde Pública em Brasília exigindo que os sanitaristas fizessem algum tipo de trabalho de pesquisa ou de defesa dos químicos de Campinas por causa do crime ambiental cometido pela Shell contra seus trabalhadores.
A presença organizada dos Químicos e da ATESQ foi determinante para eu poder acompanhar novos pesquisadores, jovens que faziam doutorado em epidemiologia, e com eles pude aprender muito sobre a luta sindical e como os Químicos enfrentaram e superaram a dor de ver seus colegas de trabalho adoecer e morrer por causa de exposição que aconteceu durante o trabalho.
O Químicos Unificados tem sido uma escola de boa formação em saúde do trabalhador para mim e para meus alunos de medicina, de pós-graduação e especialização nos últimos dez anos. Acho que ainda poderemos trabalhar juntos e que existe muita coisa por fazer. É necessário formar novos especialistas que sejam sensíveis e conhecedores das condições de trabalho e das dificuldades da luta sindical.