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Chico Alencar diz que a representação está em crise

 

Com uma história marcada pela participação e defesa dos movimentos sociais e direitos humanos, Chico Alencar (foto) é hoje um dos deputados mais atuantes do congresso, e nome forte do Psol. Foi o segundo deputado federal mais votado do Rio de Janeiro, com 240.724 votos. Hoje Integra a Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara e o Conselho de Ética.

Professor, formado em história, Chico é um grande crítico do novo Código Florestal, aprovado recentemente na Câmara, e defende uma ampla reforma política com o intuito de aumentar a participação popular.

Veja o bate papo completo com o deputado, que fala sobre seu partido, o congresso, o governo Dilma, a criminalização dos direitos humanos, entre outros assuntos.


Jornal do Unificados: Nas últimas eleições, mesmo estando em um partido relativamente pequeno, o senhor teve uma votação expressiva. A que isso se deve?


Chico Alencar:
O parlamento é excessivamente personalista, laudatório, estimulador de vaidades. Em linhas gerais, acho que o eleitor fluminense reconheceu, em minha candidatura e em outras do PSOL, a dignidade tão escassa na política atual. Nosso partido, ainda em construção, teve o segundo deputado mais votado para a Câmara, que fui eu, e o segundo mais votado para a Assembleia Legislativa do Rio, Marcelo Freixo. Dobramos o tamanho de nossas bancadas.

As eleições de 2010 foram as de maior predomínio do poder do dinheiro na história do Brasil. Nunca se viu tantas placas nas ruas, com rostos enormes, sempre com um sorriso forçado e manipulações do Photoshop. Nem os partidos constavam nas placas e panfletos, porque para a maioria, hoje, pouco importa seu partido. Nas ruas, encontrávamos uma população desacreditada na política, achando que todos são iguais (sentimento que, infelizmente, é estimulado por setores da mídia, ao só falar de corrupção e omitir as iniciativas nobres).

Aos poucos, durante a campanha, fomos sentindo que as pessoas se deram conta que nós éramos diferentes. Fazíamos campanha com pouco dinheiro, doado por pessoas próximas, íamos a debates e tínhamos mandatos de excelência a apresentar. Porque os mandatos do PSOL, nas três esferas do Legislativo, são de muita atuação e combatividade, e isso ninguém pode negar. Nossos maiores cabos eleitorais foram a militância idealista e a excelência de nossos mandatos.

 

Jornal do Unificados: Após um ano, como o senhor avalia o desempenho da atual legislatura da Câmara Federal?

Chico Alencar:
Percebo muitos problemas, e alguma luz no fim do túnel. O maior deles é a baixa qualidade da representação popular. Corruptos ou omissos, parlamentares descomprometidos com a causa pública ainda são fartos na Câmara. Nunca foi tão urgente a reforma política, e a mobilização popular. Depois, ainda temos o problema da subordinação do Legislativo ao Executivo. Por vezes, a Câmara assemelha-se a um cartório legitimador das decisões que nascem em outras instâncias, no Planalto ou na Esplanada (para não lembrar as decisões que nascem no FMI – Fundo Monetário Internacional – ou na OMC –
Organização Mundial do Comércio). Formou-se um consenso em torno do que ficou conhecido como “presidencialismo de coalizão”, que submete o Legislativo a uma função de mero coadjuvante. É um desrespeito à democracia, que pressupõe três poderes autônomos.

Há um grande descolamento entre o que pensa a sociedade brasileira e o que delibera a Câmara dos Deputados. A reforma do Código Florestal é um bom exemplo. Passou na Câmara e no Senado, mesmo contando com forte rejeição da imensa maioria da população – além, é claro, de não contar com a simpatia explícita do governo federal.

Momentos como esse escancaram a característica de balcão de negócios da Câmara.
Por não se sentirem representados, os cidadãos abandonam completamente, deixam de acompanhar. É um quadro ruim, e só quem pode mudar isso é a sociedade brasileira organizada, votando com consciência e acompanhando seu parlamentar. Não existe outra receita.


Jornal do Unificados: 2012 é ano de eleição. Quais as expectativas do PSOL?

Chico Alencar: Para as eleições, de modo geral, temos a esperança de que não obedeçam tanto à lógica de mercado como em 2010. Que o dinheiro não seja o único fator decisivo. Porque as empresas que colocam dinheiro em campanha têm, é claro, interesse na atuação do parlamentar. Quem sabe esse sopro de mobilização juvenil que começou em 2011, em boa parte do mundo, não faça com que as pessoas busquem conhecer melhor os candidatos e votem melhor?

O PSOL pretende ser a alternativa para a geleia geral de hoje em dia. Um partido com princípios claros, construído coletivamente. Apresentamos, à sociedade, uma proposta clara de mudança. Teremos candidatos de densidade política, ética e eleitoral em pelo menos quatro grandes cidades. Aqui no Rio, Marcelo Freixo é nosso pré-candidato à prefeitura, e em Niterói, Paulo Eduardo Gomes. Dois quadros de notório histórico combativo e ético, e inquestionável capacidade política.

Acho que, mesmo com a fragilidade estrutural de um partido pequeno, estamos oferecendo um projeto de relevo à sociedade brasileira. Vamos defender uma cidade para as pessoas, e não para os negócios, e gestão transparente e participativa.

 

Jornal do Unificados: Você participou do movimento estudantil. Como você vê o movimento estudantil hoje? Em especial a União Nacional dos Estudantes (UNE)?

Chico Alencar: Tenho muita esperança nos jovens. São eles os que trazem a rebeldia, o desejo de mudança, a crença de que um modo novo não só é possível como necessário e urgente. Acredito que os grandes líderes do Brasil do futuro estão hoje entre os jovens, observando esse quadro complexo da política brasileira. Estão escondidos no meio da da multidão, e se revelarão no próximo momento de reascenso do movimento de massas, que a História, travessa e indecifrável, sempre cria.

No entanto, o quadro no movimento estudantil não é dos melhores que já tivemos. Existem muitos setores que mantêm a bela tradição do movimento, combativa, atuante, rebelde. Há, porém, boa parte do movimento que está cooptada pelo governo federal, confortável diante das benesses do poder. A UNE se posiciona, majoritariamente, com o governo, mantendo-se omissa diante de ações que, anteriormente, certamente condenaria. Onde esteve a UNE na recente privatização dos aeroportos, por exemplo? Há de se lembrar que, dentro da UNE, existe a oposição interna, que tenta modificar a entidade e trazê-la de volta
a sua antiga atuação.


Jornal do Unificados: Como o senhor avalia até agora o governo Dilma?

Chico Alencar: Estou esperando o governo Dilma começar. Até agora, tem sido o nono ano do governo Lula. Permanece a política econômica que suga, para o setor financeiro, nada menos do que 45,05% de nosso orçamento. Permanecem as alianças políticas por cima, a pequena política do toma-la-dá-cá. Permanece a cooptação de movimentos sociais. Cresce a concentração agrária, e privatizam-se novos setores (aeroportos e previdência de servidores). E grassa um modelo de desenvolvimento danoso dos pontos de vista social e ambiental.

A Hidrelétrica de Belo Monte é o melhor exemplo. Não é por acaso que a Vale acaba de ser considerada a pior empresa do mundo, em votação livre pelo site PublicEye, ligado a ongs ambientalistas. Talvez Dilma seja um pouco menos tolerante com a corrupção do que seu antecessor, mas não o suficiente para construir um ministério qualificado, com pessoas de real espírito público.

Há de se elogiar, no entanto, a manutenção das políticas de transferência de renda.

 

Jornal do Unificados: Por causa dos grandes eventos que sediará, o Rio de Janeiro passou a receber uma atenção maior da mídia internacional. Como o senhor vê esse atual momento do estado, e em especial da cidade?

Chico Alencar:
O Rio de Janeiro está na moda. Virou até filme hollywoodiano. E isso atrai dinheiro, a gente sabe. Não é difícil perceber que prefeito e governador estão com bastante dinheiro.

No entanto, oponho-me inteiramente à forma como esses investimentos estão sendo feitos, e à maneira como a cidade e o estado vêm sendo geridos. A Copa do Mundo e as Olimpíadas estão trazendo para o Brasil, e especialmente para o Rio de Janeiro, problemas gigantescos, omitidos pelo oba-oba oficial. Uma série de comunidades pobres já foi removida por se situarem nas proximidades das obras. Algumas nem sequer estavam no trajeto das intervenções, mas interessavam à especulação imobiliária, porque a terra se valoriza com obras de mobilidade. Outras comunidades ainda serão removidas. Muitas dessas ações ocorrem totalmente à margem da lei, com indenizações insuficientes, ou um valor de aluguel social que é uma piada. E há muito truculência.

Soma-se a isso o desrespeito aos direitos dos trabalhadores. Os operários do Maracanã já fizeram greve mais de uma vez.

Ambulantes são reprimidos. Moradores de rua são criminalizados, tratados de forma truculenta pelo “choque de ordem”, como se fossem lixo. O turismo sexual é estimulado, e pode ser que na Copa do Mundo vivamos o mesmo grave quadro de prostituição e tráfico de pessoas que viveram a África do Sul e a Alemanha, nos mundiais de 2010 e 2006.

As intervenções urbanas são pensadas, majoritariamente, para favorecer o mercado, e não as pessoas. É a vitória de uma lógica mercantil de cidade. A reforma na região portuária tende a criar um espaço privado da cidade. Moradores da região foram expulsos para regiões distantes. Tudo isso engorda com dinheiro público os bolsos de empreiteiros, que depois gastam apenas parte de seus lucros para financiar as campanhas dessas pessoas. Não há o menor estímulo à cidadania participativa por parte do prefeito, que é um “gerentão”.

No âmbito do estado, também estão acontecendo coisas muito preocupantes. Na região oeste, a TKCSA é uma tragédia. A própria empresa alemã Thyssenkrupp está tentando vender a siderúrgica, tamanhas são as tragédias sociais e ambientais promovidas por ela.

Em São João da Barra, Eike Batista está construindo o maior porto da América Latina, terceiro maior do mundo. Milhares de pessoas estão sendo removidas de suas casas. Os danos ambientais são inúmeros, o processo de licenciamento é mais que suspeito. Sem falar que, por ser privado, é uma ameaça à soberania brasileira.

Em Itaboraí, os trabalhadores do Comperj acabam de entrar em greve. Lá também há um quadro grave de remoções. Em 2011, ficaram claras as fortes conexões entre o governador Sérgio Cabral, Eike Batista, e Fernando Cavendish, dono da empresa Delta, cujos lucros no estado cresceram de forma inacreditável nos últimos anos…

Concluindo, estamos perdendo uma excepcional oportunidade de aproveitar o momento de visibilidade da cidade para resolver os graves problemas do Rio de Janeiro: educação, saúde, transporte, habitação etc. O apartheid social histórico do Rio, que tinha todas as chances de ser diluído, tende a se agravar ainda mais.


Jornal do Unificados: No final do ano, o deputado estadual do PSOL, Marcelo Freixo, foi convidado a passar um tempo na Europa pela Anistia Internacional após sofrer ameaças. Como o senhor avalia o combate às milícias?

Chico Alencar: O Marcelo fez um combate corajoso, que poucas pessoas teriam coragem de fazer. A ameaça de criminosos contra sua vida se dá há muito tempo, desde antes de ele ser deputado, porque em sua militância ele sempre incomodou grupos criminosos. O trabalho que ele fez como presidente da CPI das Milícias, em 2008, foi primoroso. A maior vitória foi
pedagógica, porque a sociedade fluminense passou a perceber a grave ameaça que esses grupos representam. Antes da CPI, havia muitos simpatizantes de milícias.

As milícias são uma ameaça terrível ao estado democrático de direito. É a ameaça maior hoje em dia. Porque eles têm projeto de poder, e criaram um modelo de negócio de sucesso. Lucram muito, de múltiplas formas (gás, vans, lanhouses etc), e elegem parlamentares. Criam braços econômico e político sólidos. É, claramente, o embrião de uma máfia, e que já se espalhou por diversos estados do país. É uma ameaça muito grave.

O governo federal deveria criar, de forma urgente, um programa de combate às milícias. No Rio, não é difícil entender por que se avança pouco nesse quesito. Basta ver quem foram os candidatos a prefeito e governador mais votados em áreas de milícias… É positivo, no entanto, o fato de que mais de 500 pessoas foram presas após a CPI.


Jornal do Unificados: O ano começou com a forte repressão do governo de São Paulo aos moradores do Pinheirinho, em São José dos Campos. Como o senhor vê essa ação do governo e da justiça paulista?

Chico Alencar: Foi uma ação trágica, em diversos aspectos. Uma demonstração de truculência poucas vezes vista na história desse país, em defesa de terras anteriormente pertencentes a um conhecido especulador, Naji Nahas.

As terras estavam ocupadas de forma pacífica há quase uma década, em sintonia com a garantia constitucional de que a propriedade deve ter função social. A polícia invadiu a ocupação de forma truculenta, num domingo – o que é ilegal –, para reaver as terras de um especulador. Isso é bárbaro, inaceitável. Não pode ser tratado como um episódio corriqueiro.

Se o país fosse sério, o governador de São Paulo e o prefeito de São José dos Campos, ambos do PSDB, teriam seus mandatos questionados. No Rio de Janeiro, um ativista chamado Pedro Rios Leão fez greve de fome em frente à Rede Globo por quase duas
semanas, em protesto contra a cobertura omissa feita por setores da mídia.

 

Jornal do Unificados: A revista Time elegeu “O Manifestante” como personalidade do ano em 2011. Muito em função de tudo que aconteceu nos países árabes. O que falta para o manifestante também ser personalidade aqui no Brasil?

Chico Alencar:
Foi uma grande escolha da revista Time. Em 2011, assistimos com alegria a volta da mobilização popular em diversas localidades do planeta. Nos países árabes, eram protestos contra o autoritarismo de alguns governos; na Inglaterra, na Grécia, em Portugal e na Espanha, protesto contra a pobreza e o desemprego; na França, manifestações mais pacíficas; nos Estados Unidos, mobilização contra a concentração de renda e o excesso de poder nas mãos do mercado financeiro; no Chile, protestos contra o baixo investimento em educação.

O Brasil fez parte de um conjunto de países onde esse sentimento de renovação, de mudança, de reforma do status quo, se deu de forma mais branda. Mas aqui também ocorreu.

O movimento Ocuppy Wall Street contaminou capitais como Rio de Janeiro, São Paulo e Porto Alegre. Houve uma greve muito forte em Jirau, pouco coberta na imprensa. A mobilização dos bombeiros no Rio foi uma das mais belas da história recente, principalmente devido ao apoio popular (as pessoas colocavam panos vermelhos nas janelas).

Em parte, as mobilizações não se tornaram maiores devido a dois fatores: a) o Brasil não vive uma situação econômica tão grave quanto a europeia, nem um quadro político tão desanimador quanto o dos árabes. A taxa de desemprego está baixa; b) a cooptação de movimentos sociais faz com que movimentos sindicais e sociais com experiência em organização popular não só não se mobilizem, mas também ajam no sentido de evitar grandes protestos.

Mas o fogo da transformação está voltando a aquecer o peito dos jovens, e a mobilização tende a crescer. A representação está em crise (partidos, sindicatos, Parlamento). Espero que essa geração crie novos instrumentos políticos, substituindo a democracia representativa pela participativa.

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