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ENTREVISTA: “Corte Seco” – Um filme em resposta aos anos de silêncio

“Corte Seco” é a 1ª obra de ficção do cineasta Renato Tapajós para o cinema. O filme é autobiográfico e passou por um longo processo de realização. Desde a primeira versão do roteiro até a cópia finalizada foram 13 anos. Ele conta a história de como no dia 31 de agosto de 1969, em São Paulo, cinco militantes da esquerda armada, que lutava contra a ditadura militar, foram presos pela Operação Bandeirantes (Oban). Nos dias seguintes, eles iriam viver o pesadelo da tortura (acima, imagem de cena – Foto: Divulgação), experimentando uma semana de puro terror, com os militares, policiais e paramilitares dando vazão ao que existe de pior na capacidade humana de infligir dor e humilhação.

Em entrevista exclusiva ao Jornal do Unificados Tapajós falou sobre esta produção .

Trailer do filme

 

Cena do filme "Corte Seco" (Foto: Divulgação)
Cena do filme "Corte Seco" (Foto: Divulgação)

SIGA ESTE ENDEREÇO – ou na imagem acima – para ver o trailer de “Corte Seco”.

E não deixe de ler a entrevista, logo abaixo.

A entrevista de Tapajós para Unificados

Jornal do Unificados: Em que momento e por que você decidiu rodar “Corte Seco”?

Tapajós: Na verdade, esse filme começou a nascer há muito tempo. Depois de ter escrito o “Em Câmara Lenta” (1973), conseguido publica-lo em 1977 e ser novamente preso por causa do livro, a ideia de relatar o que havíamos passado na Oban começou a tomar forma. Mas durante muito tempo eu não consegui voltar ao assunto, ficava travado para falar de prisão, tortura etc. Só dez anos depois de sair da cadeia (1984) consegui fazer um documentário (“Em Nome da Segurança Nacional”) que tocava no assunto. Mas, escrever sobre a prisão, tortura e cadeia só consegui fazê-lo em 1996, quando fiz um artigo chamado “A Floresta de Panos”, para o livro “Tiradentes, Um Presídio da Ditadura”.

A partir daí consegui voltar ao assunto, até que em 2001 escrevi de uma assentada só a primeira versão do roteiro de “Corte Seco”. E aí começou a saga de conseguir produzi-lo.

Foram nove anos em busca de patrocinadores e onze versões do roteiro até chegar na filmagem (com patrocínio da Petrobras) com uma versão que se chamava “Espadas de Papel”. Depois disso foram mais três anos de finalização, sempre buscando infrutiferamente novos patrocínios e editando pelo menos nove versões do filme completo.

Não consegui os novos patrocínios, o filme voltou a se chamar “Corte Seco” e está pronto.
Como dá para ver, ele é o produto de uma necessidade de expressar memórias que estavam amontoadas e que, ao sair do meu controle, se tornam instrumentos da luta contra a tortura e pelo respeito aos direitos humanos.

Jornal do Unificados – Como foi para você, diretor de tantos documentários políticos, dirigir uma ficção que retoma o período em que foi preso e perseguido?

Tapajós – A experiência de dirigir ficção, que eu já vinha ensaiando em vários documentários que tinham trechos ficcionais, é sempre muito envolvente, desgastante e, também, prazerosa. Sobretudo de um filme que conta uma história tão próxima a mim. O documentário permite, durante sua realização, certo distanciamento. A ficção, não. Você mergulha naquele universo junto com a equipe e, depois, durante a edição continua mergulhado, só que agora de uma forma bem solitária.

Jornal do Unificados – O filme tem cenas explícitas de tortura. Como foi a preparação dos atores e como se deu o seu trabalho na condução destas cenas?

Tapajós – Nas cenas explicitas de tortura eu tive um apoio extremamente importante no preparador de atores (Marcelo Lazzarato), que trabalhou durante várias semanas com eles. O Gabriel Miziara (principal ator e o que mais aparece sendo torturado) teve uma dedicação exemplar, buscando o maior realismo possível nessas cenas. E nós as dividimos em muitas tomadas separadas, que permitiam aos atores descansar, à maquiagem fazer retoques. A cena principal do pau de arara, que ocupa aproximadamente dez minutos do filme, levou três dias de 14 horas cada um para ser filmada.

 

Cena de tortura no filme "Corte Seco" (Foto: Divulgação)
Cena de tortura no filme "Corte Seco" (Foto: Divulgação)

Jornal do Unificados – Por muitos anos tentou-se minimizar as atrocidades cometidas pelo regime ditatorial no Brasil. O filme é também uma resposta aos anos de silêncio?

Tapajós – Sem dúvida, é. Sobretudo em relação a um aspecto: depois que os militares voltaram para os quartéis em 1985, o poder continuou na mão dos civis que haviam apoiado a ditadura. Eles não podiam mais negar que tivesse havido tortura e outras ilegalidades durante a ditadura, mas sempre tentaram minimizar isso. E o trabalho de minimização foi maior no sentido de privar a palavra tortura de seu verdadeiro significado.

Durante muitos anos a mídia, os próprios governantes, falavam da tortura, mas dando a ela certa “naturalização”, como se fosse natural preso ser torturado, como se isso não tivesse muito mais importância do que prisões ilegais ou exílios.

As novas gerações receberam essa visão pasteurizada da tortura. O que me proponho num filme como “Corte Seco” é a de recuperar para o espectador o verdadeiro sentido da palavra “tortura”, com tudo o que ela representa de dor, de humilhação, de mergulho além dos limites do humano. Mostrar que a tortura é, talvez, a única pratica inteiramente inadmissível em qualquer sociedade que se pretenda minimamente civilizada.

Jornal do Unificados – Como você analisa as prisões de manifestantes, a repressão policial e até mesmo os casos de tortura que persistem nos dias de hoje?

Tapajós – Com relação à tortura, vale citar a frase do jornalista Alípio Freire, que uso no final de “Corte Seco”: “Nós sobrevivemos ao pau de arara. Mas o pau de arara também sobreviveu”.  A tortura continua sendo praticada nas delegacias brasileiras contra os presos comuns, contra os pobres e os pretos, e, eventualmente, contra os movimentos populares, sobretudo no campo.

A luta contra a tortura não acabou e vai ainda durar muito tempo em nosso país, onde ela é usada desde os tempos do escravismo, como se fosse um privilégio natural das classes dominantes em relação ao resto da sociedade. Quanto à violência policial é preciso entender que, no Brasil, a polícia foi criada para defender as elites e manter as massas de despossuídos sob controle. Em países mais civilizados a polícia surgiu para defender o cidadão (caso da polícia criada pela Revolução Francesa). No Brasil ela surgiu para reprimir todos aqueles que, legal ou ilegalmente, política ou criminalmente, perturbam a paz das classes dominantes.

Crítica do filme “Corte Seco”,
no jornal Folha de São Paulo


“Violência sem filtro prende a atenção em filme de Renato Tapajós

Ilustrada – Folha de São Paulo
ELEONORA DE LUCENA

Primeira ficção de Renato Tapajós, “Corte Seco” escancara a violência sem filtros e efeitos especiais.

A fita expõe a sequência horripilante de atrocidades que torturadores infringiram a um grupo de guerrilheiros presos na Operação Bandeirantes, em São Paulo.

Era início de setembro de 1969 e o relato é quase autobiográfico: Tapajós passou por tudo aquilo. Naqueles primeiros dias de sua prisão, ocorria o sequestro do embaixador americano no Rio.

Em Teresópolis, a jovem militante Dilma Rousseff participava de congresso frustrado de fusão de organizações.

Na Oban e em outros centros de tortura durante a ditadura militar, o costume era praticar o máximo de violência logo nas primeiras horas ou dias de prisão, para tentar extrair nomes e locais de encontros marcados.

É o que o filme mostra, sem se preocupar muito em explorar contextos e refrescar o roteiro. É seco na narrativa.

Em muitas obras a tortura aparece de forma lateral ou é sugerida. Em tantas outras ganhou ênfase, como no francês “Estado de Sítio” (Costa-Gavras, 1972) ou na obra-prima ítalo-argelina “A Batalha de Argel” (Gillo Pontecorvo, 1966) — que por anos foi proibida de passar no Brasil.

Tapajós segue caminho próprio. Audacioso, faz da tortura o cerne da fita.

O resultado é forte e prende o espectador. Difere muito da estética plastificada das séries norte-americanas, que exibem maus tratos de forma pasteurizada, tentando construir justificativas glamourizadas para a violência.

“Corte seco” não tem nada disso. Sem os efêmeros famosos globais, boa parte do enredo se passa nas salas de tortura ou na cela onde os presos se arrastam, gemem, vomitam e tentam curar dores e feridas ensanguentadas.

A discussão política é salpicada de vez em quando ou fica nas entrelinhas. Não há flashbacks, memórias, truques de edição.

Há cenas inusitadas, como a do japonês que se desespera ao ser trancafiado. Sem ligação com militantes, ele só pensa na filha que foi deixada sozinha numa praça quando os militares o pegaram.

Num delírio, ele escreve na parede da masmorra com um fósforo: “Uma multidão de crianças que só queria brincar portando espadas de papel perdeu-se no tempo”.

Tapajós não envereda por avaliações da luta armada.

O cineasta entra na ficção com uma abordagem arriscada. Faz um filme necessário.”

 

Cartaz da apresentação do filme "Corte Seco"
Cartaz da apresentação do filme "Corte Seco"

 

Renato Tapajós

De http://www.atica.com.br

 

Renato Tapajós
Renato Tapajós

Renato Tapajós nasceu em 1943, em Belém, no estado do Pará, onde começou a exercer a profissão de jornalista. Mudou-se para São Paulo para cursar engenharia na Universidade de São Paulo (USP).

Lá conheceu várias outras pessoas que, como ele, tinham interesse pelo cinema. Foi estudar ciências sociais e se envolveu com os grupos de oposição à ditadura militar.

Ainda durante os tempos de faculdade, fez documentários de denúncia; em 1968 entrou na clandestinidade e na luta armada. Ficou cinco anos preso em diversos órgãos repressivos da época.

Tapajós sempre pensou em ser escritor, mas acabou envolvido pelo cinema e só escreveu seu primeiro livro em 1977, uma reflexão sobre o período de militância política.

O livro foi censurado; mais uma vez, Tapajós foi preso, mas solto alguns dias depois. Em 1982, no filme “Linha de Montagem”, ele documentou o fortalecimento dos movimentos sindicais, de onde surgiram diversos líderes políticos atuais.  Na década de 1990 ele se reaproximou da literatura. Começou a escrever pensando em dialogar com os próprios filhos adolescentes.

Desse trabalho surgiram várias obras para o público jovem.  O engajamento político e o não conformismo estão sempre presentes em suas histórias, que procuram estimular o jovem a ser membro ativo da sociedade em que vive.

Filmografia de Renato Tapajós

De http://www.campinas.com.br

Tapajós documenta o que vive, faz um cinema engajado e apreende o calor do momento.

Estudante nos anos 60, participou da mobilização estudantil com a câmera na mão, filmou a tomada da Faculdade de Filosofia na rua Maria Antônia, acompanhou e participou da resistência armada à Ditadura Militar e ficou preso de 69 até 74.
Do foco nas lutas populares, destaca-se o filme ‘Linha de Montagem’, que trata da luta sindical, das grandes assembleias onde os trabalhadores decidiram pela greve em São Bernardo do Campo no período 78/81. Tapajós também é autor de livros infanto-juvenis de sucesso, como “A Infância Acabou” e “Queda Livre”.

“Universidade em Crise” – (17 min.)

O pesado ambiente político do país é retratado no curta-metragem que aborda a greve dos alunos do Grêmio da Faculdade de Filosofia da USP em protesto contra o aumento do preço dos alojamentos e do restaurante universitário e a violenta resposta da polícia.

“Universidade em crise” é uma amostra do contexto que levaria 1968 a ser o ano que não terminou. Mesmo tendo os canais de expressão e mobilização duramente reprimidos com a proibição dos grêmios, a extinção da União Nacional dos Estudantes (UNE) e a perseguição generalizada aos estudantes, o movimento estudantil é que se tornaria o principal veículo e válvula de protestos nos primeiros anos da ditadura.

“Em Nome da Segurança Nacional” – (45min.)

Documentário que discute, a partir do Tribunal Tiradentes, organizado pela Comissão Justiça e Paz da Arquidiocese de São Paulo, a Lei de Segurança Nacional e a Doutrina da Segurança Nacional implementadas pela ditadura militar no Brasil. O filme mostra os efeitos da aplicação dessa doutrina em diversos segmentos da sociedade brasileira.

Prêmios de melhor filme no Festival Internacional do Documentário em Oberhausen, Alemanha, no ano de 1985 e o de melhor documentário no Festival Internacional de Havana, Cuba, no mesmo ano.

“No Olho do Furacão” – (60 min.)

Documentário para TV dirigido por Renato Tapajós e Toni Venturi sobre a vida na clandestinidade dos militantes da guerrilha urbana, travada no Brasil no final dos anos 60 e começo dos 70 contra a ditadura que, então, dominava o país.

Ele investiga a história interior dos militantes. O que o filme busca é descobrir como eles viviam na clandestinidade: seu cotidiano, sua vida pessoal, seus amores, suas crenças, seus medos, seus gestos. Um olhar penetrante na vida e na intimidade dos jovens que enfrentaram e se imolaram na guerra contra a ditadura militar.

“A Luta do Povo” (30 min.)

Documentário sobre as diversas lutas dos movimentos populares em São Paulo, no período 1978/1980, produzido pela Associação Popular de Saúde.

Partindo do enterro do operário Santo Dias, assassinado pela polícia num piquete de greve, um casal de moradores da periferia de São Paulo participa de diversos movimentos: luta contra a carestia, movimento de favelas, movimento da saúde. Prêmio Glauber Rocha de Melhor Filme na Jornada Brasileira de Curta Metragem, Salvador, Bahia.

“Nada Será Como Antes. Nada?” – (41 min.)

Documentário sobre a participação da esquerda e dos cineastas de esquerda nos principais acontecimentos políticos do começo da década de 80, incluindo a primeira campanha eleitoral do PT.

Um questionamento pessoal do diretor a respeito da relação entre as promessas teóricas e a prática política. Uma viagem emocional pelas grandes esperanças, pelo sonho e pela realidade, nem sempre tão generoso. Prêmio Glauber Rocha de Melhor Filme na XIV Jornada de Cinema da Bahia (1985).

“Linha de Montagem” – (90 min.)

Em 1979, a greve dos metalúrgicos interrompe a produção das fábricas do ABC, na Grande São Paulo. A intervenção do governo federal tenta derrubar o movimento, mas em 1980 outra greve surge.

A repressão policial é a alternativa encontrada pelo governo militar para dizimar a greve. Os diretores do sindicato são presos e processados. Hoje, algumas dessas pessoas ocupam cargos importantes no governo, inclusive o da presidência da República.

Essa é a história contada no documentário “Linha de Montagem”, produzido em 79/80 e lançado nos cinemas em 1983.

“O Rosto no Espelho” – (59 min.)

O desafio nesta produção era documentar as relações entre os movimentos culturais e as transformações sociais.

Com esta proposta, Tapajós constrói no média-metragem “O Rosto no Espelho” o argumento de que os movimentos culturais da atualidade dialogam com movimentos políticos dos anos 50, 60 e 70. E desenvolve essa observação a partir de uma ótica subjetiva, narrando em primeira pessoa o que vê em diversos núcleos baseados no Brasil e também em pontos de contato com países vizinhos como Colômbia e Bolívia. Estão no filme o trabalho do Núcleo Filhas da Dita (PE), a Casa de Cultura Tainá (SP) e a aldeia de índios Ashaninka (AC) e o grupo teatral Nós no Morro (RJ), entre outros.

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