O governo Lula alardeia que a crise econômica não passou de “uma marolinha” no Brasil, que já está superada e que o país voltou a crescer. Os empresários, por outro lado, não vacilam em usar a crise e seus efeitos para negar atender as reivindicações dos trabalhadores.
E no meio das duas versões, algumas trabalhadoras e trabalhadores, no chão da fábrica, se mostram indecisos se devem ou não reivindicar aumento real nos salários, se o país escapou ou não da crise.
Sobre o assunto, o Jornal do Unificados entrevistou Ana Magni, economista do IBGE no Rio de Janeiro e especialista em Economia do Trabalho e Sindicalismo pela Unicamp. Ela afirma, categoricamente, que apesar do “terrorismo empresarial”, as empresa do ramo químico tiveram lucratividade maior que a dos bancos. “É preciso lutar para que a produtividade que as empresas alcançaram às custas de seus trabalhadores se traduza em salários significativamente melhores”, conclui Ana Magni.
ENTREVISTA
Crescimento de 18%
Unificados: O Brasil já saiu realmente da crise?
Ana Magni: Não. Há sinais recentes de retomada do nível de atividade econômica, com uma reversão das taxas negativas do Produto Interno Bruto (PIB) trimestral. Mas isso ocorre num patamar insuficiente para compensar a queda do período anterior. Ou seja, a produção não voltou ao que era no passado, mesmo com a brutal transferência de recursos do governo para os bancos e as grandes empresas. Logo no início da crise, o Banco Central liberou quase o triplo do gasto anual com saúde para o setor financeiro. Soma semelhante foi injetada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) em projetos que reforçam o modelo do agronegócio exportador e seus danos ambientais. E essas intervenções localizadas escondem um outro elemento importante de fragilidade da economia: a taxa de investimentos segue sendo uma das mais baixas do mundo. Faltam recursos na saúde, educação, habitação, enquanto os lucros do capital são garantidos com recursos públicos…
Unificados: Como está o nível de produção/faturamento das empresas do ramo químico?
Ana Magni: Pelos dados da associação patronal (a ABIQUIM), entre 2002 e 2008 o faturamento (em dólares) da indústria química brasileira mais do que triplicou. Nos últimos anos, as empresas do ramo registraram um aumento fantástico de rentabilidade, em muitos casos bem acima do crescimento médio do PIB.
Unificados: O atual momento econômico permite que as empresas dem aumento real nos salários?
Ana Magni: As empresas de forma geral não têm sofrido os efeitos da crise. Para além do que já foi mencionado, os empresários dos vários setores adotaram medidas de ataque e flexibilização dos direitos trabalhistas. Buscaram transferir a responsabilidade da crise para os trabalhadores, e assim preservaram seus lucros. Portanto, não há qualquer lógica que permita dizer que as empresas não estão em condições de dar aumento real. Elas podem não querer dar, mas daí é preciso movimentação para garantir essa conquista…
Unificados: Mas, para suas negativas, os patrões usam o discurso da crise. Como responder a isso?
Ana Magni: Mostrando que os trabalhadores conhecem a realidade das empresas e que sabem que este é um dos setores que mais têm lucrado no Brasil. De 2007 para 2008, o faturamento do ramo químico cresceu 18%. A indústria farmacêutica teve um retorno de lucratividade maior do que o dos bancos! Esse rendimento está muito associado a ganhos de produtividade, o que pode ser visto pela geração medíocre de emprego e pela ampliação do trabalho precário. Ou seja, são menos trabalhadores produzindo mais e garantindo uma lucratividade espetacular aos capitalistas do setor, sem que isso tenha a contrapartida da valorização salarial e de melhores condições de trabalho.
Unificados: Quais são as categorias que conquistaram aumento real nos salários em 2009?
Ana Magni: A maioria das categorias de trabalhadores está conquistando aumentos acima da inflação em 2009. O levantamento das negociações encerradas até o final do primeiro semestre, feito pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sociais (DIEESE), revela um resultado ainda melhor do que no ano anterior, com 78% dos acordos garantindo aumento real. Na indústria, 83% dos reajustes foram superiores ao Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC).
Unificados: Então, a mobilização e a pressão da categoria podem sim conquistar aumento real?
Ana Magni: Sem dúvida. A realidade vem mostrando que apesar desse “terrorismo empresarial”, que usa a crise como desculpa para o arrocho salarial e as demissões, os trabalhadores, através de suas mobilizações, vêm conquistando bons resultados nas negociações. No caso do ramo químico, é preciso lutar para que a produtividade que as empresas alcançaram às custas de seus trabalhadores se traduza em salários significativamente melhores.