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No Brasil desde 1966, o padre francês Bernard Hervy fala sobre sua vida no país

Em 1966 completava o segundo ano do golpe de estado que instalou a ditadura militar no Brasil. Políticos, intelectuais e artistas eram exilados, o marechal Castelo Branco, o primeiro ditador, fechou o Congresso e deixou claro para a população que os anos seguintes seriam anda piores.

Foi esse o clima político encontrado pelo padre operário francês Bernard Hervy, que com os anos de Brasil se tornou Padre Bernardo, como é chamado hoje pelos amigos. Padre Bernardo está com 81 anos – nasceu em novembro de 1929 na cidade de La Roche-Bernard, na França.

Padre Bernardo, em comício sindical em 1977

Um apaixonado pelos direitos humanos e entusiasta das lutas da classe trabalhadora, Bernardo enfrentou o regime militar, participou das grandes greves no ABC paulista e posteriormente ajudou a criar a Ação dos Cristãos para a Abolição da Tortura (Acat Brasil). Padre Bernardo foi preso por estar de posse de panfleto sindical.

Em setembro de 2010 o Padre viu sua história de vida ser reconhecida pela câmara dos vereadores de São Paulo, que lhe concederam o título de cidadão paulistano.

Para fechar o ano de 2010, o Jornal do Unificados traz a entrevista do Padre Bernardo, que com sua trajetória inspira todos os trabalhadores na luta por melhores condições de trabalho e vida.

ENTREVISTA
 

Jornal do Unificados – Por que o senhor decidiu vir para Brasil?

Padre Bernardo – Bom, eu tinha o sonho de conhecer o mundo dos trabalhadores. Ajudar em um país fora da Europa, especialmente da América Latina, e escolhi o Brasil. Na França eu me formei torneiro mecânico e comecei a trabalhar na fábrica aqui, como Padre Operário.

Jornal do Unificados – Como era o clima nas fábricas quando o senhor chegou ao Brasil?

Padre Bernardo – Nessa época não se falava de greve, e nem os jovens pensavam em greve. No ABC, alguns anos depois, nos encontrávamos, pois tínhamos grupos de torneiros mecânicos. Aproveitávamos esse tempo para conversar com os trabalhadores.

E o pessoal nem pensava em greve. Com o tempo, começamos articular com outras fábricas como seria se a greve estourasse.

O dia em que estourou a primeira grande greve em São Bernardo do Campo, no outro dia começamos a nos organizar perto do meio dia, fizemos operação braços cruzados. Em cada sessão os trabalhadores cruzaram os braços e aos poucos foram parando a fábrica.

No dia seguinte a fábrica toda estava parada.

Passamos a nos sentir os donos da produção, todos os trabalhadores. Era uma sensação ótima, nunca na minha vida tinha sentido. Nós produzíamos, éramos os donos da produção. Além disso, conquistamos muitos direitos e benefícios, e também aumento salarial. Mas a sensação de união, de sermos os donos da produção, era muito mais importante.

Jornal do Unificados – O senhor foi ameaçado pela ditadura?

Padre Bernardo – Era uma ameaça permanente. Éramos perseguidos desde que chegamos a Santos. Os três padres operários franceses. Eu e mais dois colegas, a gente não tinha direito de ir e vir, só podia ficar lá perto de Santos. Anos depois descobri uma sindicância para nos expulsar do país.

Jornal do Unificados – Chegou a ser preso?

Padre Bernardo – Fui preso duas vezes. A primeira na noite do ato institucional número 5 (AI 5), em 13 de dezembro de 68. Vieram em nossa casa durante a noite e fomos levados para o quartel de São Vicente. Os três padres operários, filhos da caridade, fomos mantidos por seis dias.

Anos depois, já em 79, na época das grandes greves, fui preso outra vez, pois o sindicato estava sob intervenção do governo e eu fui preso em um carro da igreja católica com material de divulgação sindical.

Jornal do Unificados – Como era a relação da Igreja Católica com o movimento dos trabalhadores?

Padre Bernardo – Naquela época a igreja apoiava. Depois, a coisa foi mudando, mas no início apoiava. Dom Cláudio Hummes emprestava a igreja para a realização de assembleias quando os sindicatos eram ocupados de forma injusta. Ele apoiava pessoalmente.

Depois as coisas mudaram um pouco. Pessoalmente continuamos amigos. Ele é um homem inteligente, hoje está no Vaticano. Mas as opiniões nem sempre foram iguais.

Jornal do Unificados – De onde vem essa paixão pelos direitos humanos?

Padre Bernardo – Na época, os direitos humanos não eram desenvolvidos como hoje. O fato de eu ser um padre operário mostrava que a igreja não estava só esperando os trabalhadores na sacristia, mas os representantes da igreja estavam dentro da classe trabalhadora, operária.

Muitos anos depois fui trabalhar na Bahia, na periferia de Salvador, onde conheci a cultura negra. Quando voltei para São Paulo entrei no Movimento Nacional de Direitos Humanos, fui secretario executivo aqui de São Paulo.

Depois, ajudei a criar a Ação dos Cristãos para a Abolição da Tortura (Acat Brasil), da Pastoral Carcerária.

Infelizmente, a tortura existe no nosso estado, como nos outros. Temos casos diariamente no Brasil, a maior parte dentro das cadeias, mas também em outros lugares. Existe a tortura física e tem a tortura psicológica, que é muito mais cruel, a Acat luta pelo fim da tortura no Brasil.

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