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Presente para o agronegócio

As terras da União na Amazônia, que representa quase 62% do território nacional, estão sendo transferidas de mãos beijadas a grandes proprietários do agronegócio por meio da medida provisória 458, conhecida como MP da Grilagem, aprovada pelo presidente Lula em 25/06.

Usando falsos argumentos de facilitar a fiscalização, impedir desmatamento e diminuir conflitos, o governo Lula beneficia os ruralistas e dá as costas à reforma agrária, ao meio ambiente e ao patrimônio do povo brasileiro.

Serão doadas ou vendidas 67,4 milhões de hectares de terras públicas. Os trabalhadores com pequenas propriedades só poderão vender as terras em dez anos. Enquanto isso, os grandes poderão vender em três.

Movimentos sociais e ambientalistas protestaram reivindicando vetos do presidente, mas Lula só vetou a transferência das terras a empresas e a representantes (prepostos).

Leia a seguir entrevista com Dirceu Luiz Fumagalli, 49 anos, coordenador nacional da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Para ele, a MP é o avanço do capital sobre a floresta em prejuízo dos índios, dos quilombolas, dos trabalhadores sem terra, do meio ambiente e do Brasil.

Dirceu Luiz Fumagalli  é coordenador nacional da Comissão Pastoral da Terra. Nasceu em 1960, em Nova Esperança, Paraná. Filho de agricultores, viveu no campo até completar 20 anos. Entre 1980 e 1986, cursou Filosofia e Teologia. Em 1987, iniciou sua participação na CPT e, em 1988, ordenou-se padre. Contribuiu na organização do projeto de Educação Popular de Jovens e Adultos do Campo (APEART) e foi secretário municipal do meio ambiente de Londrina, entre 2003 e 2004.

Unificados: Com a MP 458, vai ficar mais fácil fiscalizar e evitar grilagem, como diz o governo?

Fumagalli – A gente pode dizer que vai evitar grilagem porque as terras serão destinadas aos latifundiários: não sobrarão mais terras para grilar. É entreguismo. A MP 458 é um grande presente do governo Lula – para o qual nós construímos expectativas junto aos movimentos sociais e do campo de que teríamos um período em que pudéssemos contemplar uma reforma agrária – que presenteia de fato os grandes proprietários da região amazônica e também de outros estados.

Unificados: Lula vetou o artigo que permitia a transferência de terras para pessoas jurídicas e regularizava as propriedades exploradas por representantes. Foi pouco?

Fumagalli – Ele só vetou dois pontos. E, pior ainda, ele não vetou o artigo que permite negociar as terras antes de dez anos. Foi aprovado que o pequeno só pode vender depois de dez anos. Quem tem maiores propriedades pode vender daqui a três anos. Isso é legitimar, investir e dar carta branca para os grileiros de fato negociarem as terras. É dar de presente um capital que vai girar em três anos. É simplesmente abrir negócios com aquelas terras.


Unificados: Se outros vetos tivessem sido feitos, como esse veto à permissão de venda em três anos, a medida provisória (MP) teria outro espírito, teria um papel social e ambiental?

Fumagalli – Primeiro somos contra medida provisória. Isso deveria ser um projeto de lei com um tempo para debater com a sociedade qual a melhor forma de fazer a regularização das terras da Amazônia. Aí o Executivo propõe uma MP, aparentemente bem intencionado. Mas, veja: ele não teve a mesma intenção de fazer a reforma agrária por MP, não é? Poderia ter feito a reforma agrária por MP. E não foi feito isso.

A MP tem o objetivo de regularizar as terras da Amazônia para abrir espaço para o avanço do capital. E possibilitar para quem se apropriar dessas terras fazer empréstimos para investimentos.

O objetivo da MP é acelerar o avanço do capital sobre a floresta porque sem regularização você não tem acesso a nenhum empréstimo, a nenhum investimento. Regularizar as terras da Amazônia implica isso. Claro que, para minimizar os conflitos e dar dignidade às pessoas que lá trabalham, você tem que regularizar. Mas o que a MP deveria regularizar de imediato seriam as terras quilombolas, as terras indígenas, as terras de até quatro módulos (400 hectares), por exemplo. O problema é que grande parte dessas terras não serão destinadas aos pequenos e às comunidades tradicionais – serão destinadas aos grandes proprietários.

Unificados: Essa medida é pontual?

Fumagalli – Não é pontual não. Essa medida é a história do Lula. Tem o mesmo peso da Lei de Terras de 1850 (que teve impacto em praticamente 50% do território nacional). Lula será reconhecido por ter criado uma medida provisória que entregou 67 milhões de hectares para a iniciativa privada na região amazônica. Isso quer dizer que em 27 anos, considerando todos os governos, não foi destinado à reforma agrária o montante de terras que está sendo destinado com essa MP à iniciativa privada. Em 27 anos foram disponibilizados 61 milhões de hectares para a reforma agrária. Numa canetada, numa iniciativa acelerada e, principalmente, sem nenhum debate com aqueles que trabalham na Amazônia, o governo teve essa grande iniciativa. Um grande presente…

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