Marcelo Freixo (fotoacima) é um apaixonado pelo que faz. Essa é a única conclusão possível após poucos minutos de conversa com o deputado estadual pelo Psol do Rio de Janeiro.
Freixo ganhou notoriedade nacional em 2008 após presidir a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Milícias, na Câmara fluminense, e revelar para a opinião pública a verdadeira cara dessa máfia organizada dentro do poder público no Rio de Janeiro.
Para seu segundo mandato, iniciado em 2010, Freixo foi o segundo deputado mais votado do Rio de Janeiro. Ele é militante de direitos humanos, professor de história e ex-dirigente do Sindicato dos Professores do Rio de Janeiro.
O deputado foi a inspiração para o personagem Fraga do Filme Tropa de Elite 2, que também preside a CPI das Milícias e defende ativamente os direitos humanos.
No dia 9 de setembro ele esteve em Campinas e participou de dois eventos. Um ato contra a corrupção, e que lembrou a morte do ex-prefeito de campinas, o Toninho do PT, e um debate na Unicamp sobre a luta pelos direitos humanos.
Entre um evento e outro, encontrou tempo para conversar com o Jornal do Unificados e falar sobre a realidade do Rio de Janeiro hoje, uma cidade em reforma para a realização de grandes eventos.
Rio de Janeiro, um grande escritório
Primeiro mandato
Em 2006 sai candidato pelo PSOL. O partido teve muitos votos de legenda, fui o mais votado. Não tive nem tempo de televisão, foi uma surpresa inclusive para a gente.
Foi um mandato com muita visibilidade, pois o nosso primeiro ato foi pedir a CPI das Milícias, logo com três dias de mandato. Vários milicianos tinham sido eleitos deputados junto comigo.
Eu queria mostrar que estava ali para o enfrentamento. Eles nem publicavam o pedido. Era como se eu não o tivesse feito. Fiquei um ano e meio esperando a abertura da CPI. Não tinha mais esperança.
Foi quando um episódio mudou a história nesse sentido. Uma equipe do jornal O Dia foi barbaramente torturada pela milícia em uma favela da Zona Sul do Rio. Nesse momento a imprensa enxergou as milícias e passou a fazer matérias sobre o tema. Descobriram o meu pedido parado na assembleia e pressionaram os deputados para a abertura da CPI.
CPI das milícias
Segundo o regimento interno da Câmara Legislativa do Rio de Janeiro, quem pede a CPI a preside.
Por isso, mesmo sendo de oposição e o único deputado do PSol, fui o presidente da Comissão. Foi a CPI mais importante da história do parlamento do Rio de Janeiro e teve um resultado concreto muito bom. Uma grande vitória pedagógica, pois conseguimos mudar a opinião pública sobre as milícias. O Rio de Janeiro e o Brasil entenderam o que eram as milícias.
Foram 225 pessoas indiciadas, interrogadas, houve muito enfrentamento interno, pois o principal miliciano também era deputado. Ele foi preso durante a CPI, o irmão dele, que era vereador, também foi preso. Os principais líderes da milícia foram presos.
A milícia é o principal crime organizado do Rio de Janeiro até hoje. Foram seus integrantes que há um mês mataram a Patrícia (Juíza Patrícia Acioli, titular da 4ª Vara Criminal de São Gonçalo RJ).
Milícia: interesses para além dos milicianos
Hoje, as milícias dominam mais de 300 áreas. Na época da CPI eram 170. Elas continuam crescendo, pois é uma estrutura de máfia. Toda máfia funciona dentro do estado, não funciona fora.
Elas controlam a distribuição de botijão de gás, de GatoNet (cabos clandestinos de tv a cabo), o transporte alternativo. Atividades muito lucrativas. A milícia só será vencida quando forem cortados os braços econômicos. As áreas dominadas pela milícia são as mais violentas da cidade.
Politicamente, a milícia interessa para muita gente, pode ajudar a eleger vereadores, deputados, até o próprio prefeito. O atual prefeito do Rio de Janeiro ganhou a última eleição por pouquíssimos votos. E se você olhar o mapa eleitoral, verá que ele venceu na Zona Oeste, área dominada integralmente pelas milícias.
A milícia não está derrotada completamente no Rio de Janeiro porque ela interessa para além dos milicianos.
Copa do Mundo e Olimpíadas
O Rio de janeiro se tornou um grande escritório. O prefeito age como se fosse um síndico, é uma cidade sendo viabilizada para grandes eventos e inviabilizada para moradia. É mais caro visitar o Cristo Redentor hoje do que a Torre Eiffel.
É a cidade das remoções, de uma polícia extremamente violenta, uma cidade dos territórios militarizados. Porém, se você sai do Aeroporto Internacional Tom Jobim e vai para a Zona Sul parece uma maravilha. Inclusive após a construção das barreiras acústicas.
A prefeitura diz que a barreira acústica é para a população da favela não ouvir o barulho dos carros. Uma grande sensibilidade do prefeito. Agora, se você passa a barreira e vai até a favela, não tem saneamento básico, não tem creche, mas está um silêncio ótimo. É um processo de invisibilidade dos setores pobres. Você chega direto na Zona Sul.
O mapa das UPPs e o dos negócios
O mapa das UPPs (Unidade de Polícia Pacificadora) é muito revelador da concepção de cidade que o Rio de Janeiro está vivendo. Não estou entrando no debate sobre o significado e sobre o resultado das UPPs. Somente onde elas estão instaladas.
As UPPs estão no corredor hoteleiro da Zona Sul, o entorno do Maracanã, a Zona Portuária e a Cidade de Deus em Jacarepaguá. Não tem nada a ver com os pontos mais violentos da cidade.
Em Copacabana existem quatro UPPs, baixada fluminense não tem nenhuma. Copacabana era muito mais violenta que a baixada fluminense? Claro que não.
Não estou dizendo que não deveria ter UPP em Copacabana. Mas o que explica quatro lá e nenhuma na Baixada Fluminense? Por que tem uma na Cidade de Deus e toda a área vizinha que é dominada pelas milícias não tem nenhuma?
É o mapa da viabilidade dos investimentos dos grandes eventos do capital privado. Esse é o negócio, e é negócio. O mapa das remoções também é assim. O morador que tinha o tráfico no passado e agora tem UPP diz que melhorou. Eu respeito, entendo, e é verdade. Ninguém quer ter o tráfico armado na porta de casa. Mas a UPP não pode ser vista só por isso.
É um projeto de tomada militar e não de investimento em uma região. A UPP não é um investimento para o morador da favela, e sim do significado do território onde a favela está.