Aos dezessete anos de idade Sócrates vivia um dilema: continuar a jogar futebol nas categorias de base do Botafogo de Ribeirão Preto, então time da primeira divisão do futebol paulista, ou dedicar-se exclusivamente a recém iniciada faculdade de medicina.
Com dificuldade conciliou as duas atividades nos primeiros anos de estudo. Quando se tornou profissional passou a receber convites de diversos clubes grandes, mas afirmou só sair do Botafogo depois de formado. Assim, chegou ao Corinthians e ficou conhecido como Doutor Sócrates.
Um dos líderes da democracia corinthiana e jogador da seleção brasileira nas copas de 82 e 86, Sócrates é considerado um dos grandes jogadores da história do Brasil.
Homem de respostas curtas e claras, consciência política e posições fortes, o Doutor conversou com o Unificados sobre a democracia corinthiana, socialismo, e claro, a seleção do Dunga.
Devemos lutar por democracia
em qualquer estrutura social
Unificados: Você sempre fugiu do padrão comum do jogador de futebol, tem consciência política, foi um dos lideres da democracia corinthiana, como isso surgiu?
Sócrates: Sei lá. O diferente não sou eu. O problema é o sistema educacional brasileiro que não dá oportunidade a todos, muito menos aos jogadores de futebol.
Unificados: Você ainda se considera socialista? Como vê o socialismo hoje?
Sócrates: Sou e morrerei assim. O socialismo idealizado não tem hoje nem nunca, só sempre.
Unificados: Acha que um movimento semelhante à democracia corinthiana poderia acontecer em algum clube atualmente?
Sócrates: Eu acho que sim. E também acredito que devemos lutar por democracia em qualquer estrutura social, inclusive no futebol. Particularmente, sempre achei um absurdo viver em um regime de casta, isso vem da origem do meu pai. Ele nasceu pobre, fodido e não tinha o que comer. Então esse sentimento sempre foi muito claro para mim, por que casta? Por que as pessoas são tratadas de forma diferente? Esse sentimento nasceu comigo e você vai elaborando com o tempo. Mas isso é uma coisa interiorizada, tentar lutar contra isso depende das oportunidades que você tem na vida. E aconteceu no Corinthians em uma época de crise e só existe revolução em crise. Ou então em guerra.
Unificados: A democracia corinthiana teve algum efeito no comportamento dos jogadores dentro de campo? E como foi a recepção dos jogadores e dirigentes de outros times?
Sócrates: Quem se sente tratado como deve sempre reage positivamente. Foi isso que aconteceu. Todos nós reagimos positivamente, e a reação dos demais pouco importa. Ali aconteceu uma revolução porque as pessoas queriam fazer revolução, estavam juntas em um momento propício para isso. Se fosse em outro momento talvez não acontecesse nada.
Unificados: Como o movimento acabou? Isso teve a ver com sua ida para a Itália?
Sócrates: Um movimento revolucionário só ocorre na sociedade que o quer. Quando inventamos ou estamos em outra sociedade, esta caminha de acordo com a maioria dos seus integrantes e interesses. Eu saí, o Casão (Walter Casagrande, hoje comentarista na Globo) saiu, mais gente saiu e contrataram outros 10 caras, com outra cabeça. O momento mudou, acabou porque tinha que acabar. Eu fui para a Itália por causa das Diretas Já. Fiquei frustrado com o resultado da votação no Congresso. Fui embora.
Unificados: Muito se falou das atitudes do Dunga nessa Copa do Mundo, o que achou do desempenho da seleção?
Sócrates: Compatível com o esperado. Os jogadores estavam quebrados. O Dunga não levou os principais talentos do Brasil, aquela seleção não era a representação do país.
Unificados: E de afirmações do Dunga, que falou que não poderia dizer se a escravidão tinha sido boa ou ruim, e nem a ditadura?
Sócrates: Um pouco de literatura não faz mal a ninguém, muito pelo contrario. Quem não lê e não quer saber como o homem se comportou em outros tempos é um absoluto alienado ou analfabeto.
Unificados: Esse ano temos eleições legislativas, como você vê o cenário político atual no Brasil?
Sócrates: O país está em evolução. Seja lá quem forem os políticos eleitos, que ninguém altere este cenário para pior. Para melhor, por favor!