Pensar politicamente de forma diferente da elite e dos militares, defender direitos da classe trabalhadora e promover manifestações pela volta da democracia eram atividades extremamente perigosas e arriscadas e poderiam levar à prisão, à tortura, ao desaparecimento e à morte em assassinatos cometidos por integrantes do sistema de repressão montado pelo governo ditatorial que vigorou no Brasil de 1964 a 1985.
Quando a ditadura já agonizava, pressionada e repudiada por grande parte da sociedade, em 1979 foi aprovada a chamada Lei da Anistia, que serviria para beneficiar a todos envolvidos na luta, tanto os repressores quanto os integrantes da resistência.
Crimes contra humanidade
Ato em São Paulo, em 12 de agosto de 2008, pede justiça
por Luiz Merlino, vítima da ditadura militar (Foto: João Zinclar)
Desde então, pelos movimentos sociais nunca foi aceito que torturas e assassinatos pudessem estar contemplados pela Lei da Anistia, pois, conforme convenções internacionais, eles são crimes praticados contra a humanidade.
Sob este entendimento, em 1998 o juiz espanhol Baltasar Garzón pediu a prisão em Londres do general chileno Augusto Pinochet, um dos mais cruéis dos ditadores militares que governaram os países da América do Sul nos anos 60, 70 e 80 passados.
Recentemente, os ministros Tarso Genro (Justiça) e Paulo Vannuchi (Direitos Humanos) e procuradores da República defenderam que a Lei da Anistia não precisa ser alterada para que ex-comandantes do Exército sejam responsabilizados criminalmente por mortes, desaparecimentos e torturas ocorridas durante a ditadura.
E que os documentos da época, ainda sob segredo de estado, devem ser abertos para conhecimento público.
A ENTREVISTA
Juventude deve conhecer a história
Para falar sobre o assunto, o Jornal do Unificados entrevistou a Dra. Eleonora Menicucci de Oliveira. Ela militava na esquerda desde 1964 e entrou para a clandestinidade em outubro de 1968.
“A ditadura apertava o cerco sobre o movimento estudantil e operário, jogando na clandestinidade muitos/as de nós”, conta a Dra. Eleonora.
Com o companheiro teve que fugir de Minas e, em São Paulo, grávida, assumiu o lugar de guerrilheira clandestina, com todos os riscos advindos dessa decisão.
No período, diz a Dra. Eleonora, “O país era palco de uma guerra absolutamente desigual, uma guerra de canhões e metralhadoras contra idéias e utopia de uma geração que soube sofrer porque acreditou em uma sociedade mais justa”.
Ela ficou presa de julho de 1971 a 1974 e foi torturada no DOI-CODI (órgão repressor da ditadura).
A Dra. Eleonora é Mestre em Sociologia pela Universidade Federal da Paraíba, Doutora em Ciência Política pela Universidade de São Paulo, Livre Docente em Saúde Coletiva pela Faculdade de Saúde Pública da USP e Professora Titular do Departamento de Medicina Preventiva da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP). Fez pós-doutorado na Universitá /Degli Studi di Milano, na Clinica del Lavoro Luigi Devoto na Faculdade de Medicina de Milano.
Jornal do Unificados – Quais são hoje os reflexos das torturas sofridas pela senhora?
Dra. Eleonora – São muitos, desde doenças graves como problemas ósseos e cardíacos. Problemas que não me impediram e nem impedirão de continuar lutando pela punição dos torturadores.
Jornal do Unificados – Os torturadores estão cobertos pela Lei da Anistia, como alegam, ou devem ser processados criminalmente já que tortura é um crime contra a humanidade?
Dra. Eleonora – Embora os torturadores estejam cobertos em parte pela Lei de Anistia, tenho convicção de que ela deva ser modificada, para que eles possam ir a julgamentos e sofram as devidas punições.
Jornal do Unificados – A chamada “grande imprensa” insinua que os ministros Genro e Vannuchi provocam os militares quando defendem a punição aos torturadores. Isso é mesmo uma provocação ou a imprensa tem algo contra a apuração?
Dra. Eleonora – A posição dos ministros é correta e ética, concordo com eles. A grande imprensa é problemática para lidar com questões que dizem respeito às causas e lutas sociais.
Jornal do Unificados – Os arquivos da ditadura militar devem ser abertos ao público para que o Brasil acerte suas contas com o passado?
Dra. Eleonora – Sim, os arquivos têm que ser abertos, pois eles são partes fundamentais de nossa história. Só no Brasil, no continente sul-americano, é que eles não são públicos.
Jornal do Unificados – A senhora disse que aquela foi uma geração que “soube sofrer em busca de uma sociedade mais justa”. Qual seria seu recado para a juventude atual?
Dra. Eleonora – O mesmo recado, agregado de que fará muito bem à juventude atual ler sobre a nossa história recente para que conheça os sujeitos da luta contra a ditadura.