O ano de 2012 ficará marcado por iniciativas, tanto governamentais quanto da sociedade civil, de revisitar a história, principalmente os longos e dolorosos anos da ditadura militar.
Diferentes organizações da sociedade civil protestaram e organizaram manifestações de repudio ao regime militar, que durou 21 anos e terminou em 1985. Ainda hoje, 127 pessoas continuam desaparecidas.
No dia 16 de maio, a presidente da República, Dilma Rousseff, instalou a Comissão da Verdade, que investigará abusos de direitos humanos cometidos durante o período da Ditadura Militar.
Apesar de atrasada, instalada somente 27 anos após o final do regime, e de não possuir muitos poderes, a Comissão poderá ajudar a esclarecer de uma vez por todas um dos períodos mais duros da história do país.
Para falar sobre o assunto, o Jornal do Unificados entrevistou Waldemar Rossi (foto acima), membro da Pastoral Operária, e que participou ativamente do movimento conhecido como Oposição Sindical Metalúrgica em Osasco. Em 1974, Rossi passou quatro meses preso no Departamento de Ordem Política e Social (Dops) – organismo de repressão durante a ditadura e no qual muitos brasileiros foram torturados e assassinados.
Hoje, aos 79 anos, ele continua sua militância no meio sindical e de movimentos populares.
ENTREVISTA
A Anistia foi um equívoco político
Jornal do Unificados: 27 anos após o término da ditadura golpe militar o Brasil discute a criação de uma comissão da verdade. O que você acha da criação dessa comissão?
Rossi: A criação da Comissão da Verdade, diante das circunstâncias políticas do Brasil, é um passo importante para que os nomes dos envolvidos em tantos e tão bárbaros crimes venham à tona. Tal fato permitirá o despertar da consciência de muitos que, vivendo naquela época, não se deram conta da barbárie implantada à base de pesadas armas. Ao mesmo tempo, permitirá a formação da consciência crítica das novas gerações, desses jovens que nasceram depois da ditadura. É de se esperar que a revelação da verdadeira história daqueles anos cruéis provoque uma sadia reação popular, exigindo que a Justiça seja feita, com a condenação dos responsáveis pelas atrocidades e assassinatos.
Jornal do Unificados: Um dos pontos centrais de divergência é se a anistia já não sepultou esta questão, se todos já não estão perdoados legalmente. Qual é a sua opinião?
Rossi: Do meu ponto de vista, a Anistia foi um equívoco político. Afinal, quem derrubou a Constituição em vigor e cassou pelas armas o voto popular foram os militares. O crime, desde o início, é deles, que impuseram uma nova forma de desenvolvimento industrial e agrário, gerando a desnacionalização da incipiente industrialização nacional. Para garantir a alienação da economia nacional, cassaram todos os direitos do povo, como se fôssemos propriedades suas, prenderam, torturaram e mataram. Logo, se alguém deveria pedir anistia ao povo eram eles, os criminosos, e não quem foi vítima da repressão. Inverteram valores e a história. Se a Anistia foi uma farsa, ela não se aplica aos verdadeiros criminosos, os militares e seus capachos. A legalidade alegada, por tudo isso, é desprovida de legitimidade. Não pode vigorar.
Jornal do Unificados: Está consolidado na história de que militares das três armas estão envolvidos em prisões arbitrárias, ilegais, torturas e assassinatos. Como o senhor acredita que será reação das forças armadas quando seus integrantes, ainda na ativa ou já aposentados, começarem a ser indicados publicamente?
Rossi: Certamente a consciência pesada e a possibilidade de se virem no Pelourinho da História, passando para a mesma História como assassinos e traidores da Pátria, já estão provocando reações. Estamos assistindo encenações e manifestações de verdadeiro desespero, tentando atrair setores da mídia comprometida com aqueles desmandos, visando confundir a cabeça do povo traído, se passando por vítimas. Haja vista que classificam a pesquisa da verdade como revanchismo. Como de costume, usam de adjetivos vazios para tirar o traseiro da seringa. Faltam-lhes argumentos sérios e justos para se defenderem. Como de costume e pela formação militar, usam do amedrontamento, que, pelo visto até agora, não surtirá efeito.
Jornal do Unificados: Países como Argentina e Chile identificaram e puniram os responsáveis por tortura em seus regimes militares. Por que no Brasil ainda não conseguimos avançar nesse sentido?
Rossi: Como disse anteriormente, em minha opinião, essa Anistia foi um engodo que serviu a certos setores da esquerda e da burguesia nas negociações com os militares de plantão. Não fez justiça ao povo, muito menos às vítimas da repressão. E aquela negociata traz suas consequências até hoje. Com base naquela trama, os setores direitistas provocam todas as dificuldades possíveis e imagináveis, contando inclusive com os pareceres de juristas de renome que estiveram coniventes e mesmo apoiadores dos crimes da época. Por causa do desfecho diferente dos países citados, as barreiras jurídicas não tiveram nenhuma força, e os setores populares e políticos assumiram seu protagonismo histórico. No Brasil, os setores políticos estão degenerados e fracos.
Jornal do Unificados: E os integrantes da chamada sociedade civil, e empresas como por exemplo a Folha de São Paulo que emprestava para a repressão seus caminhões de entrega de jornais? Como reagirão?
Rossi: A Folha, por exemplo, já vem se manifestando há tempos, fazendo eco aos militares, com medo do julgamento popular. Empresários envolvidos tentarão, também, encobrir seus crimes. E tudo farão para impedir a punição. É uma reação natural, de medo e de preservação dos seus privilégios. Há setores da mídia, por exemplo, que estão dando uma de honestos, garantindo ao menos que as questões sejam colocadas discretamente, como que a dizer para o povo que têm ficha limpa. O oportunismo terá seus seguidores.
Jornal do Unificados: O fato de a presidente Dilma ter sido uma das torturadas pode influir, de uma forma ou de outra, na concretização da Comissão da Verdade?
Rossi: Já disse que muita gente da antiga esquerda se serviu da trama da Anistia. Mas, depois dela, muitos outros se renderam aos interesses do capital (o verdadeiro responsável pelo golpe militar). Tem gente no poder que vacila por causa dos compromissos financeiros de campanha e isto é também um obstáculo a ser superado pelos que estão levando essa batalha pra frente. E, felizmente, é muito mais gente corajosa e determinada do que se poderia imaginar no início. Ficarei mais tranquilo se a Dilma tomar posição clara em favor da Verdade.
Jornal do Unificados: Sua expectativa é positiva ou negativa em relação ao produto final dos trabalhos da Comissão da Verdade?
Rossi: Sou esperançoso. Sei que a batalha será duríssima. A tendência é que vá ganhando mais adeptos e apoiadores. O mínimo que se pode esperar é a revelação dos fatos. A punição poderá vir como consequência. Mas a Verdade revelada será uma vitória histórica.