MARCELLE SOUZA
ESPECIAL PARA A FOLHA
A tristeza aparente aponta que é dia de velório. O cheiro, que atravessa os cômodos, faz parentes e curiosos saírem para o quintal. O odor expõe o motivo daquela morte: Mauro de Souza Lucas cometeu suicídio com veneno da lavoura de algodão. A cena, na zona rural do município de Fátima do Sul (MS), seria um caso isolado se o cheiro não fizesse parte de outros velórios ali.
Lucas havia brigado com um irmão em uma festa de fim de ano e, de volta para casa, foi direto para o quarto dos agrotóxicos. Escolheu um dos mais fortes e bebeu.
“Um vizinho levou-o para o hospital, ele acabou de morrer lá”, diz Antônia de Souza Lucas, 64, “uns 14” filhos. “Era veneno brabo, não lembro o nome, mas era veneno de algodão, fedido.”
O episódio ocorreu há quase dez anos, mas o cheiro do velório ainda não saiu do nariz de Antônia. Mauro tinha 26 anos quando morreu. Ela não sabe por que o filho se matou. “Era uma nervosia, muita raiva, ele pôs na cabeça e se matou logo.”
FALTA DE PROTEÇÃO
Fátima do Sul, cidade de 18 mil habitantes a 242 km de Campo Grande, foi criada em 1943 no governo Getúlio Vargas como polo agrícola. Predominam os sítios de três a dez hectares de imigrantes nordestinos.
Ali, fala-se dos nomes de agrotóxicos com intimidade: Barrage, Folidol, Azodrin, Tamaron, 2,4D e 3,10.
A maioria desses produtos pertence à família dos inseticidas organofosforados, derivados do ácido fosfórico, e são usados para combater pragas em culturas diversas. O contato com eles alterou o conceito de saúde dos agricultores. Quase todos se referem a dor de cabeça, náusea e coceiras, além do cheiro inconfundível.
Fora os casos de intoxicação aguda em que os sintomas mais graves surgem logo após a exposição.
Muitos lavradores não têm, não usam ou não sabem usar corretamente os equipamentos de proteção, como máscaras e macacão, nem têm orientação sobre como armazená-lo ou se desinfetar após aplicar o veneno.
DEPRESSÃO
Assim como as náuseas, sintomas de depressão tomam conta das conversas nos sítios. Antônia lembra que o filho começou a ficar “esquisito” antes de morrer.
Para Dario Xavier Pires, químico e pesquisador da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS) que há uma década estuda os casos de suicídio no município, os sintomas são evidentes no contato com produtores e nas conversas informais com profissionais da saúde locais.
A psiquiatra paulista Jussinalva Aguiar explica que “normalmente os casos de suicídio estão ligados a quadros depressivos” que passam despercebidos na rotina do trabalhador rural. Segundo Jussinalva, o tipo de agrotóxico usado no algodão inibe a enzima acetil-colinesterase, causando acúmulo do neurotransmissor acetilcolina e a consequente superestimulação das terminações nervosas.
“A intoxicação por agrotóxico causa variações qualitativas e quantitativas nas sinapses, que agem na alteração do humor. Pode causar tanto sintomas depressivos como manias e agitação.”
Em 2004 e 2005, um grupo de pesquisadores da UFMS -entre eles Pires- fez um levantamento sobre os estados depressivos e os níveis da enzima colinesterase em 261 agricultores expostos a organofosforados no município.
Deles, 149 (57,1%) relataram algum sintoma após o uso de agrotóxicos, e 30 apresentaram distúrbios psiquiátricos menores (DPM). Três tentaram o suicídio.
RANKING
Em números absolutos, Mato Grosso do Sul ocupava, em 2002 (último ano disponível), o quarto lugar em suicídios de homens e o segundo de mulheres no Brasil.
No índice de morte por ingestão intencional de agrotóxicos mantido pela Secretaria de Estado de Saúde de MS, a macrorregião geográfica de Dourados (Fátima do Sul mais 14 municípios) lidera. De 1992 a 2002, houve 203 tentativas registradas e 63 mortes por envenenamento.
A cidade de Dourados tem o maior número de tentativas, mas há ali alta incidência de suicídios entre os índios guarani-kaiowá, resultado, sobretudo, do processo de confinamento.
O segundo lugar é de Fátima do Sul. Depois de Mauro, outros dois filhos de Antônia, Jonas e Luiz, também se mataram em um ano. Uma terceira, Cecília, tentou.
Levantamento da Associação Nacional de Defesa Vegetal (Andef) para a consultoria alemã Kleffman Group aponta o Brasil como o país que mais consome agrotóxicos.
Em 2008, foram gastos U$ 7,1 bilhões, ante US$ 6,6 bilhões dos EUA, em segundo.
O Serviço de Informações Tóxico-Farmacológicas do Ministério da Saúde registrou, em 2007, 112,4 mil casos de intoxicação. Estima-se que haja subnotificação.
O Ministério da Saúde não tem estudos nem política preventiva de suicídio na zona rural -há divergência entre os pesquisadores sobre a correlação direta entre depressão e agrotóxicos.
“Os estudos feitos nessas populações não são determinantes e ainda não conseguiram comprovar a relação”, diz Ângelo Zanaga Trapé, médico toxicologista e professor da Unicamp.
SEM CAUSA-EFEITO
A Andef ressalta que o crivo científico com que são avaliados todos os defensivos agrícolas registrados no Brasil é um dos mais restritivos do mundo, demonstrando extrema preocupação com a segurança dos produtos utilizados nas lavouras.
A Andef entende que não há relação causa-efeito entre agrotóxicos e suicídios comprovada nos estudos citados. “As colocações feitas pelo dr. Ricardo Nogueira, médico psiquiatra autor da tese de dissertação de mestrado “Promoção da Vida e Prevenção de Suicídios no RS” são válidas, havendo a necessidade de estudos adicionais para se comprovar cientificamente essa relação”, diz.
em comunicação social com habilitação em
jornalismo pela Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul e ganhadora do 1º Prêmio
Jovem Jornalista Fernando Pacheco Jordão,
promovido pelo Instituto Vladimir Herzog.
ENDOLSUFAN SERÁ BANIDO A PARTIR DE 2013
O uso do inseticida endolsufan será proibido a partir de 2013, atendendo a pedido da Anvisa. O agrotóxico, mais comum no cultivo de café, soja e algodão, causaria problemas à saúde. O uso do produto já é proibido em mais de 40 países.
Estes ORGANOFOSFORADOS da família dos drins (Aldrin e Dieldrin entre outros) são utilizados na fabricação de pesticidas e na década de 70 foram banidos da
Europa e dos Estados Unidos. No Brasil, continuaram a ser utilizados até 1989 quando a lei n.º 7.802 restringiu sua fabricação. São substâncias que destróem microorganismos no solo e provocam desequilíbrios ecológicos. No organismo humano causam doenças de estômago e câncer.
NOTA DE CRÉDITO
Os títulos e textos acima foram reproduzidos na íntegra de publicação no jornal Folha de São Paulo de hoje (17/jul/2010), na página B6 do caderno Mercado.
Crime Ambiental Shell/Basf
Os organosfosforados integram os produtos causadores do crime de contaminação ambiental e humana cometido pela Shell/Basf no bairro Recanto dos Pássaros, em Paulínia.
Veja AQUI toda a história desta luta.
No curso das investigações sobre este crime ambiental surgiu a questão da contaminação pelos pesticidas “drins”. Estes ORGANOFOSFORADOS da “família dos drins” (Aldrin e Dieldrin entre outros) são utilizados na fabricação de pesticidas e na década de 70 foram banidos na Europa e nos Estados Unidos.
No Brasil, continuaram a ser utilizados até 1989, quando a lei n.º 7.802 restringiu sua fabricação. São substâncias que destróem microorganismos no solo e provocam desequilíbrios ecológicos. No organismo humano causam doenças de estômago e câncer.