O juízo da Vara do Trabalho de Hortolândia (SP) concedeu liminar favorável ao Ministério Público do Trabalho em ação civil pública movida contra a farmacêutica EMS S/A, determinando a regularização imediata da conduta trabalhista da empresa no tocante à contratação de estagiários e de trabalhadores temporários, jornada de trabalho e pagamentos salariais. Consta do pedido definitivo a condenação da ré ao pagamento de indenização de R$ 2 milhões por danos morais coletivos, este ainda não apreciado pela justiça.
A EMS S/A, considerada líder de vendas no setor farmacêutico brasileiro, foi investigada pelo Ministério Público por oito anos, período em que foi possível a juntada de provas consistentes de irregularidades cometidas pela empresa na sua unidade fabril em Hortolândia, onde mantém mais de 3 mil funcionários.
Segundo depoimentos, documentos e relatórios de fiscalização, a EMS mantém em seu quadro dezenas de estagiários em desvirtuamento à Lei 11.778/2008, conhecida como a Lei do Estágio, que regulamenta parâmetros para o exercício da função de estagiário. Os universitários contratados pela empresa exercem, de fato, atividades inerentes a profissionais contratados, ou seja, prestam serviços que configuram relação típica de trabalho.
Estagiários da área de administração, por exemplo, fazem o trabalho externo de um propagandista junto aos consultórios médicos, sem qualquer supervisão de profissional gabaritado. O mesmo acontece com aqueles que realizam visitas periódicas em farmácias para reposição de estoque. Outras funções, como a de técnico de laboratório, também são exercidas plenamente por estagiário.
Da antecipação de tutela concedida pela Vara do Trabalho de Hortolândia, três itens estão relacionados à contratação de estagiários: abster-se de contratar como estagiários trabalhadores cuja forma de prestação de serviço configure relação típica de trabalho, assim entendida aquela em que restem configurados a subordinação, a pessoalidade, a não eventualidade e a onerosidade; registrar os atuais trabalhadores contratados como estagiários, promovendo as anotações necessárias em carteira de trabalho e o pagamento das obrigações fundiárias e previdenciárias; contratar estagiários somente em estrita observância aos termos da Lei de Estágio.
Temporários
Em fiscalizações realizadas pelo Ministério do Trabalho e Emprego foi constatado o excesso de contratações temporárias de trabalhadores, feitas sob o pretexto de aumento extraordinário de serviço. Contudo, a empresa não apresentou provas de suas alegações, razão pela qual foi multada pelos fiscais.
O trabalho temporário é regulamentado pela lei 6019/74 e pelo decreto 73841/74, condicionando a prática a casos de atendimento de necessidade transitória de substituição de pessoal permanente ou quando há acréscimo extraordinário de serviços.
A liminar proferida pelo juízo determina que a empresa se abstenha de utilizar trabalhadores temporários quando ausentes os motivos que justificam sua contratação, previstos na lei 6019/74.
Por fora
Nos autos do inquérito civil consta relatório produzido pela Receita Federal proveniente de ação fiscal realizada nas plantas fabris da EMS em Hortolândia e São Bernardo do Campo, cujo resultado aponta para o pagamento de salários por fora, ou seja, o pagamento de verbas salariais não contabilizadas em folha de pagamento, o que representa sonegação fiscal e previdenciária.
Depoimentos tomados pela Procuradoria também evidenciam o pagamento por fora, uma vez que funcionários da farmacêutica afirmam não haver a integração de comissões ou bonificações à sua remuneração. Foi juntada ao processo judicial sentença que condena a empresa por essa prática pelo Tribunal Regional do Trabalho da 13ª região, na Paraíba, onde também possui operações.
A decisão da justiça de Hortolândia estabelece que a EMS emita comprovantes dos pagamentos de salários e eventuais horas extras, comissões, gratificações e qualquer outro valor em conformidade com o real valor pago, deixando de realizar a prática de pagamento de salário extrafolha. O recibo deverá conter de maneira discriminada os títulos e valores efetivamente pagos.
Jornada excessiva
Outro problema identificado na EMS está relacionado à jornada de trabalho dos empregados. Os depoimentos mostram que, apesar de delimitado, o horário de almoço não é fixo e nem observado pela empresa em diversos setores da fábrica em Hortolândia, como por exemplo, nos setores de Sólidos e Injetáveis, que possuem uma média de 200 funcionários por cada turno, sendo que existem 2 a 3 turnos.
O sindicato da categoria (Sindicato Químicos Unificados) chegou a protocolar representação no Ministério Público informando que é exercida pressão extrema para que todos os funcionários do Setor de Sólidos trabalhem em regime de horas extras aos domingos. A fiscalização do MTE confirmou a violação à lei, pela não concessão de descanso semanal remunerado aos trabalhadores desse setor.
Novas denúncias foram apresentadas ao MPT em face da EMS, noticiando o excesso de jornada e a pressão para o trabalho em dias de folga. A procuradora Cláudia Marques de Oliveira, titular do processo, chegou a propor a assinatura de acordo extrajudicial para que a indústria regularizasse a conduta de forma voluntária, mas não obteve a concordância da empresa.
Diante do vasto conjunto probatório nos autos do inquérito civil por meio de ampla prova documental e oral, bem como dos diversos autos de infração lavrados e da patente recusa da ré quanto à adequação voluntária ou extrajudicial de sua conduta aos ditames legais, não restou alternativa ao MPT senão a provocação do Judiciário para que dê aos atuais e futuros empregados da empresa, bem como à sociedade, uma resposta coletiva e uniforme diante da controvérsia, explica a procuradora.
As questões relacionadas à jornada de trabalho também são abordadas pela decisão liminar concedida nos autos do processo, que obriga a empresa a abster-se de prorrogar a jornada de trabalho além do limite diário de 2 horas; a conceder descanso semanal remunerado de 24 horas consecutivas, somente exigindo trabalho aos domingos mediante prévia permissão da autoridade competente em matéria de trabalho; e a conceder intervalo para repouso ou alimentação de, no mínimo, uma hora e, no máximo, duas horas diárias.
Multa e indenização
Caso descumpra a liminar, a EMS pagará multa de R$ 200 mil por infração, a cada constatação de irregularidade, a ser destinada ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) ou a instituição filantrópica idônea escolhida pelo MPT, além de uma multa diária de R$ 1 mil por trabalhador encontrado em situação irregular, a ser destinada ao próprio trabalhador.
A empresa também pode responder por crime de desobediência caso não respeite a medida judicial.
No mérito da ação, o MPT pede a condenação da empresa ao pagamento de R$ 2 milhões por danos morais causados à coletividade.
Fonte: ASCOM PRT-15 – 16/agosto/2012