Na 2ª Audiência Pública em Brasília, o deputado federal Luciano Zica (centro), do PT, anuncia o requerimento para instalação de uma CPI, de sua autoria e do deputado federal Doutor Rosinha (à esquerda), entre outros.
O requerimento para a instalação de uma CPI – Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar as denúncias de contaminações de áreas no Brasil recebeu no dia 7 de maio de 2002 o número necessário de assinaturas de deputados para ser encaminhado à direção da Câmara dos Deputados. O requerimento é de autoria do deputado federal Luciano Zica, do PT, e a CPI deverá ter início após cumprir exigências regimentais da Câmara. As contaminações nos trabalhadores e no Recanto dos Pássaros produzidas pela fábrica da Shell Brasil S.A. em Paulínia serão investigadas pela CPI.
Segundo o deputado Zica, existem indícios de contaminação química em pelo menos cinco estados brasileiros, o que representa risco ao meio ambiente e à saúde humana.
Uma CPI tem poder de aplicar aos transgressores as penalidades previstas em lei. Entre essas penalidades, independente de existência de culpa, consta que o poluidor é obrigado a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, por sua atividade. A lei determina ainda que o “poluidor que expuser a perigo a incolumidade humana, animal ou vegetal ou estiver tornado mais grave a situação de perigo existente, fica sujeito à pena de reclusão de um a três anos e mais multa”.
Conforme posição dos deputados na 2ª Audiência Pública realizada no dia 8 de maio de 2003 na Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados entre o sindicato e a Shell, a Regional de Campinas do Sindicato Químicos Unificados deverá ser convocada para depor na CPI das Áreas Contaminadas.
O requerimento
Veja o requerimento apresentado pelo deputado Zica, no qual explica as motivações para seu pedido de instalação da CPI:
REQUERIMENTO DE CPI N.º DE 2003, (dos Srs. Luciano Zica, Dr. Rosinha, Walter Pinheiro, Luiz Alberto e Fernando Gabeira)
Requer a criação de Comissão Parlamentar de Inquérito com a finalidade de apurar denúncias de irregularidades no uso e na fiscalização dos terrenos utilizados como depósitos de resíduos perigosos sólidos, líquidos e gasosos e o risco ao meio ambiente e a saúde humana causado por este tipo de disposição final destes produtos.
Sr. Presidente,
Nos termos do § 3º artigo 58 da Constituição Federal e na forma do artigo 35 do Regimento Interno, os signatários do presente, vêm à presença de Vossa Excelência requerer a instituição de Comissão Parlamentar de Inquérito para apurar denúncias de irregularidade no uso e na fiscalização dos terrenos utilizados como depósitos de resíduos perigosos sólidos, líquidos e gasosos e o risco ao meio ambiente e a saúde humana causado por este tipo de disposição final destes produtos.
Justificação
“A proteção ambiental visa à preservação da Natureza em todos os elementos essenciais à vida humana e à manutenção do equilíbrio ecológico, diante do ímpeto predatório das nações civilizadas, que, em nome do desenvolvimento, devastam florestas, exaurem o solo, exterminam a fauna, poluem as águas e o ar.”
A imprensa brasileira noticia, quase que diariamente, casos de contaminação de terrenos por produtos químicos que foram enterrados, clandestinamente, por indústrias químicas ou pelos fabricantes de bens de consumo que utilizam produtos desta natureza em sua linha de produção. Para que possamos argüir sobre o tema se faz necessário uma breve “viagem” na história da indústria química e petroquímica do Brasil.
Cubatão, que em Tupi significa “Pequena elevação no sopé da cordilheira”, é um pequeno município, com 148 km de extensão localizado em um fundo de vale, em espaço geográfico formado por 57% de serras, 25% de mangues e 18% de planícies e mangues aterrados.
Em uma área de 26 Km2, dentro de limites da Mata Atlântica e de manguezais, ecossistemas extremamente biodiversificados e frágeis, construiu-se o maior pólo petroquímico e siderúrgico do País.
Na década de 50, implantou-se a primeira refinaria da PETROBRÁS – a Refinaria Presidente Bernardes de Cubatão e em 1965 entra em funcionamento a Companhia Siderúrgica Paulista – COSIPA. Na década de 70 cresceu a presença das indústrias petroquímicas e de fertilizantes. No total, são 23 indústrias de ponta, nove das quais de produtos químicos, como a RHODIA S/A, transnacional do grupo RHÔNE-POULENC e sete indústrias de fertilizantes.
Cubatão era área de Segurança Nacional, comandada e administrada por militares que para promover o então chamado “milagre econômico” permitiram a transgressão de qualquer lei ou direito – dos direitos humanos ao direito ambiental.
Neste período da história brasileira, a degradação da liberdade e da cidadania foi simultânea à degradação devastadora do meio ambiente.
Em 1966 entra em operação a unidade fabril da CLOROGIL em Cubatão, estado de São Paulo, voltada à produção de solventes e fungicidas clorados, com a produção de 950 toneladas/ano. O processo produtivo liberava cerca de 2.6 toneladas/dia de resíduos tóxicos. Era o prenúncio do “Vale da Morte” no que Cubatão seria transformada pelas multinacionais do setor químico e petroquímico.
Em 1971 tem início o processo de instalação de uma nova unidade sob responsabilidade industrial da RHÔNE-PROGIL. Em 1974 começa a produção de 5.400 toneladas/ano de Tetracloreto de Carbono (CCl4), 3.600 toneladas/ano de Percloroetileno (C2Cl4) e 26.000 toneladas/ano de Ácido Clorídrico, gerando mais de 500 toneladas/ano de resíduos tóxicos, principalmente hexaclorobenzeno (HCB) e hexaclorobutadieno (HCBD).
Além do HCB e do HCBD a produção gerava outros resíduos como o Tetraclorobenzeno, o Clorofórmio, o Tricloroetileno entre outros.
Estes resíduos, em torno de 53 toneladas/mês, foram lançados clandestinamente numa vala localizada nos fundos da área fabril, especialmente escavada para este fim e que
suportou o descarte de 5.000 toneladas.
Preenchida a vala inicial, o lixo residual era descartado aleatoriamente na área fabril ociosa até atingir o volume assombroso de 15 mil toneladas.
Atingido os limites da área da fábrica para o lançamento dos resíduos, a Rhodia passou a despejá-los criminosamente em áreas escolhidas nos municípios da região.
A partir de 1975, a Clorogil, sob nome de RHODIA, herda o passivo ambiental da antiga fábrica implantada em 1965 que produzia 950 t/ano de solventes e fungicidas Clorados.
Vale lembrar que esta produção gerava 2.6 toneladas/dia de resíduos tóxicos.
Como resultado deste processo de instalação do pólo em 1978, a imprensa brasileira divulgou à sociedade dados sobre as intoxicações dos trabalhadores, que vinha ocorrendo desde 1966, onde muitos apresentavam hepatite crônica, cloracnes e alterações no sistema nervoso.
Em 1993, a morte de mais um funcionário da Rhodia por intoxicação de hexaclorobenzeno, resíduo de produção de Tetracloreto de Carbono e Percloroetileno, levou a empresa a submeter os 159 indivíduos que trabalhavam na unidade de Cubatão a realização de exames de sangue, tendo como resultado um assombroso quadro de 117 operários contaminados.
No dia 05 de fevereiro de 1993, uma denúncia feita ao Ministério Público indicava que no interior da unidade química da Rhodia existia um fosso de escavação contendo material poluente. O grau de contaminação era incompatível com a presença humana na área, tendo inclusive atingido o lençol freático. Todos os operários da unidade foram contaminados pelo Hexaclorobenzeno, inclusive com óbito de sete funcionários. Esta unidade teve sua interdição efetuada em 7 de junho de 1993.
Em 20 anos de operação, o passivo ambiental da Rodhia em Cubatão pode ser expresso em 40 mil moradores, só na área continental de São Vicente, contaminados por organoclorados devido às cavas químicas clandestinas, dezenas de mortos, 2 milhões de metros quadrados de solo e de água contaminados e 300 mil toneladas de lixo químico poluente. O custo estimado para reparação dos danos é da ordem de 1 bilhão e meio de dólares.
Assim como o caso do município de Cubatão, recentemente a imprensa brasileira trouxe à baila a situação do município de Paulínia, no interior de São Paulo, onde ocorreu uma série de derramamentos de produtos químicos e o aterramento clandestino de toneladas de resíduos químicos. Nos últimos 20 anos a extinta unidade de produção de fertilizantes e pesticidas da SHELL Química em Paulínia contaminou os lençóis freáticos e pode ter atingido o rio Atibaia, manancial de abastecimento da região, acima da captação do município de Sumaré, que atende ao abastecimento de mais de 150 mil habitantes. Tanto o aterro quanto os derrames de produtos químicos foram mantidos em segredo até 1994, época em que a Indústria petroquímica Shell decidiu vender a fábrica para outra gigante internacional, a CYANAMID. Neste negócio milionário, uma das exigências do contrato de venda era que a Shell apresentasse o seu balanço financeiro e o seu passivo ambiental, o quê se obtém através da realização de uma auditoria ambiental. E nessa fase das negociações constatou-se a contaminação das áreas vizinhas à unidade química. Esta auditoria é um requisito mundialmente exigido nas transferências acionárias ou na aquisição de unidades fabris na indústria química e petroquímica. Na época, a Shell reconheceu sua responsabilidade nos acidentes ambientais ocorridos, mas minimizou sua extensão.
A pedido da promotoria de meio ambiente, a Faculdade de Química da UNICAMP analisou, na época, os laudos da auditoria ambiental e, em nota técnica, declarou que “Os acidentes ecológicos assumidos pela Shell confirmaram a contaminação do lençol freático por solventes. No curso das investigações, surgiu a questão da contaminação pelos pesticidas drins”. Estes organofosforados da família dos drins (Aldrin e Dieldrin entre outros) são utilizados na fabricação de pesticidas e na década de 70 foram banidos da Europa e dos Estados Unidos. No Brasil, continuaram a ser utilizados até 1989 quando a lei n.º 7.802 restringiu sua fabricação. São substâncias que destróem microorganismos no solo e provocam desequilíbrios ecológicos. No organismo humano causam doenças de estômago e câncer.
Em julho de 2000, o jornal Correio Popular, do município de Campinas, noticiou os fatos novamente, mas nada foi feito de concreto para impedir a contaminação dos moradores que continuaram a morar nas redondezas. Neste caso, como em outros, várias questões necessitam de uma maior averiguação: Por que a Curadoria do Meio Ambiente não exigiu que o fato se tornasse público em 1996, alertando, com essa atitude, os moradores usuários da água e dos alimentos por ela irrigados? A contaminação do rio Atibaia, não poderia ser evitada? Porque a Shell, na época, não foi enquadrada em Crime de responsabilidade?
Em meados de abril de 1999, a sociedade do Município de Formiga, estado de Minas Gerais, localizou, nas nascentes do Rio Formiga, um ponto de desova de resíduos industriais classe III, inerte e resíduos sólidos classe I, perigoso, assim classificados de acordo com a norma ABNT, NBR 10004. Logo a seguir foram encontrados mais três pontos de disposição final inadequada de resíduos com a mesma composição gravimétrica do lixo encontrado no primeiro ponto de desova. Estes pontos, devido à quantidade de lixo encontrada, estavam sendo utilizados aproximadamente há dois anos pela FIAT – montadora de automóveis com sede em Betim, Minas Gerais. Ressalta-se que a referida montadora possui certificado ISO 14001, o ISO ambiental. Em contado com o INMETRO, órgão brasileiro responsável por habilitar as empresas de certificação, fomos informados que o certificado ISO 14001 foi fornecido pela BVQI do Brasil Sociedade Certificadora Ltda., com sede no estado do Rio de Janeiro. Entretanto, a certificadora não realiza, como determina a norma técnica ISO 14001, as auditorias ambientais regulares para identificação de desvios ou falhas no Sistema de Gestão Ambiental – SGA – da empresa certificada.
Neste sentido, a Promotoria de Justiça de Minas Gerais determinou, através de termo de ajustamento de conduta, que o resíduo fosse retirado até o dia 31 de dezembro de 1999. Entretanto, o lixo continua lá até hoje.
Existem, hoje, no Brasil indícios de contaminação química em pelo menos 5 estados da Federação, fruto da disposição final inadequada e clandestina em terrenos sem os devidos cuidados, em conformidade com as normas técnicas de engenharia e de controle ambiental. Vale ressaltar que, em alguns casos, como no Município de Santo Antônio de Posse, os aterros são licenciados pelo órgão ambiental estadual, porém o mesmo não executa vistorias de fiscalização regulares. Como resultado desta negligência aos critérios técnicos de operação de aterros, tem-se, via de regra, a contaminação do lençol freático, do solo e da população residente nas proximidades aterro.
Ressalta-se aqui a responsabilidade dos órgãos do Sistema Nacional de Meio Ambiente, SISNAMA, e Sistema Nacional de Vigilância Ambiental em Saúde, SINVAS, no âmbito de suas competências, no tocante aos procedimentos de controle, fiscalização e licenciamento das atividades potencialmente causadoras de dano ambiental e à saúde pública.
Lembramos aqui a vigilância ambiental como conjunto de ações que proporcionam o conhecimento e a detecção de qualquer mudança nos fatores determinantes e condicionantes do meio ambiente que interferem na saúde humana, com a finalidade de identificar as medidas de prevenção e controle dos fatores de risco e das doenças e outros agravos de saúde relacionados ao ambiente e às atividades produtivas.
Desde 1981, com a promulgação da Lei 6.938, que “…dispõe sobre a política nacional de Meio Ambiente”, o Brasil possui diploma legal para coibir estes tipos de danos ao meio ambiente e à saúde humana. Em seus artigos 14 e 15 a lei determina que “…o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores: … III – à perda ou suspensão de participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito; IV – à suspensão de sua atividade”. E sem obstar, na aplicação das penalidades previstas no artigo 15, é o poluidor obrigado, independentemente de existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados, ao meio ambiente e a terceiros, por sua atividade. Determina ainda a lei que o “poluidor que expuser a perigo a incolumidade humana, animal ou vegetal ou estiver tornando mais grave situação de perigo existente, fica sujeito à pena de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos e multa”.
Existem atualmente cerca de 10 milhões de substâncias químicas, das quais umas 100.000 são de uso difundido, e, a cada ano, entre 1.000 e 2.000 novas substâncias chegam ao mercado. Geralmente estas substâncias são componentes de produtos comerciais. O número destes é de um a dois milhões nos países industrializados e 1/3 deles mudam de composição a cada ano, como resultado dos altos investimentos realizados em pesquisa e desenvolvimento, que é uma característica marcante do setor.
A América Latina é a segunda região do planeta em importância entre os países em desenvolvimento, no que diz respeito ao comércio de produtos químicos (a primeira é a Ásia, com destaque para China e Índia). Entre 1987 e 1994, o valor das exportações dos países da região passou de US$ 3,5 bilhões para US$ 7,0 bilhões, evidenciando o êxito em seus esforços de ascender aos mercados dos países desenvolvidos. O aumento das exportações destes países foi mais rápido que o crescimento de sua produção, cifrada em US$ 49 bilhões em 1986 e US$ 67 bilhões em 1990. Os maiores produtores da região são o Brasil, México e Argentina, seguidos por produtores menores como Colômbia e Venezuela.
Para acompanhar esta situação se faz necessário que seja implantado no Brasil um programa de Gestão de Segurança Química nos moldes estabelecidos pela Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, ECO-92.
Devido ao exposto e por entender que a situação da gestão de segurança química no Brasil está aquém da prática necessária para este seguimento industrial e que cabe a uma CPI, dentre outras atribuições, coletar informações para propor os ajustes legais cabíveis à situação em comento, contamos com o apoio dos nobres pares na aprovação deste requerimento.
Sala das Sessões, de 2003
Luciano Zica – Deputado Federal PT/SP
Walter Pinheiro – Deputado Federal PT/BA
Doutor Rosinha – Deputado Federal PT/PR
Luiz Alberto – Deputado Federal PT/BA
Fernando Gabeira – Deputado Federal PT/RJ