Onze a cada 100 mortes violentas intencionais foram provocadas pelas Polícias, conforme o anuário realizado pelo Fórum Brasileiro da Segurança Pública. O levantamento indicou ainda que 75,4% das vítimas pelas polícias brasileiras eram negros. Os números deixam claro a importância de discutirmos sobre a segurança pública e o racismo estrutural contido nessa violência.
Em live realizada pelo canal Conflitos no Youtube, Cládio Abel Wohlfahrt, diretor da Ugeirm Sindicato dos Escrivães, Inspetores, Investigadores de Polícia – RS e Dida Dias, professora doutora em Ciências Sociais com pesquisa em relações raciais e de gênero, debateram sobre esse importante tema.
É possível ter uma política de segurança pública que promova os direitos humanos e ao mesmo tempo reduza o número de homicídio e criminalidade?
Cládio – Há uma violência estrutural, que não é de um policial A ou B, que falha ou não atua como gostaríamos. Existe uma força maior que o obriga a ter um comportamento violento, que atinge os setores mais humildes mais pobres e os negros. Começa pelo recrutamento desses policiais, que já denuncia o motivo de ser um problema estrutural. O policial que aperta o gatilho não está apertando sozinho. Militarizar obriga o policial tenha uma obediência cega, que o força a trabalhar em condições desqualificadas sem reclamar. Somado a isso, há ainda o questões como a baixa remuneração e a formação desse profissional, que passa apenas por 3 meses de treinamento. Esse período é possível apenas aprender o uso da força, algemar, atirar e aprender a cumprir ordens e portar com disciplina. Estudar comportamento humano, sociologia, antropologia são essenciais para esse policial ter uma boa formação e entender que em uma manifestação de professores não é aceitável jogar gás neles porque são trabalhadores lutando por seus direitos. Por isso, acredito que faltam treinamento e capacitação adequados. Só assim é possível reverter essa lógica da violência.
Dida Dias – Sabemos que a Polícia Militar é responsabilidade d governo estadual, mas é possível desenvolver ações de prevenção para que os cidadãos tenham uma segurança pública concreta. Podemos prevenir para que a PM atue como amigo e amiga da sociedade, da população com ações que devem ser conjunta, pensando na questão situação da educação, da cultura, da saúde dessa policia. Agir pensando na formação, pensar que podemos ter uma polícia que foi criada para defender a propriedade privada do estado burguês, que se especializou durante a ditadura militar no Brasil. Pensar em ações combinando mobilização da sociedade para a desmilitarização da policia. Não pode ser militar, a policia tem que investigar, entender que é necessário que use inteligência para resolver crimes e, principalmente, usar menos a arma. Vamos acabar com a militarização. Vamos usar mais o cérebro e menos a arma.
Quais passos que precisamos dar para efetivar desmilitarização? O policial não ter direito de fazer greve é correto?
Cládio – Se é trabalhador tem que ter o direito de greve. O STF (Superior Tribunal Federal) retirou esse direito por compreender que é um órgão de segurança e por sua características de serviço essencial. Nós fizemos greve no Rio Grande do Sul, que o governo atacou nossos direitos. A desmilitarização passa por isso: fortalecer associações de policiais militares, aqueles que defendem que o trabalhador precisa se organizar em associações, sindicatos. Os policiais militares tem pouca mobilização porque possuem regimes disciplinares muito rígidos. São penalizados por poucas coisas. Só a partir do reconhecimento de organização vai ser possível debater o fim militarização. É essencial que se debata a formação da policia militares, que precisa ser diferente do que é hoje e transformar a sua relação com a sociedade. O novo modelo começa com as nossas representações no Congresso com deputados, senadores cobrando que policiais deixem de ser instituições submissas ao poder executivo, de governantes. A segurança publica não pode funcionar como capacho de prefeitos, governadores e do presidente da república.
Dida Dias – O policial tem o direito de se organizar. É preciso entender que enquanto trabalhador, categoria de profissional é fundamental o direito de greve. Precisamos pensar como podemos faze uma sociedade que tenha de fato segurança pública. Uma sociedade com políticas educacionais, ter uma reforma urbana com emprego, política habitacional, uma cidade iluminada para que as mães negras possam conseguir dormir mesmo que seu filho ainda não esteja em casa. A guerra contra as drogas não pode ser mais um motivo para criminalizar a população da periferia, jovem e preta. Junto com a discussão da desmilitarização da polícia tem que haver o debate sobre as drogas, refletir sobre a questão da maconha, por exemplo. As polícias invadirem comunidades e as casa da periferia atrás de aviõezinhos, enquanto os traficantes não estão lá. A elite branca que utiliza a droga não está lá. A gente precisa refletir sobre essa hipocrisia em criminalizar a periferia. A segurança pública não pode estar deslocada da questão da economia, do desemprego, do racismo estrutural.