Texto de: Júlia Rabahie, da Rede Brasil Atual (www.redebrasilatual.com.br)
Fotos de: UOL (www.uol.com.br)
São Paulo MST, a luta é pra valer. Ao som do canto entoado, militantes e simpatizantes do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST) se reuniram hoje (11/12/12) na avenida Paulista, em frente ao gabinete da Presidência da República, para protestar contra a ordem de reintegração de posse do assentamento Milton Santos, em Americana, região de Campinas, em São Paulo.
As 69 famílias que moram no local há sete anos podem ser despejadas a qualquer momento a partir de quinta-feira (13/12/12), quando termina o prazo de 15 dias determinado pela 2ª Vara de Piracicaba da Justiça Federal para que a área seja desocupada.
Segundo o MST, em julho de 2006 o assentamento foi reconhecido pelo Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Antes disso, a área pertencia à família Abdalla e era usada irregularmente pela Usina Ester, mas foi repassada ao Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) por causa de irregularidades no pagamento de impostos à União.
Juntamente com a Usina Ester, que cerca a região do assentamento, a família Abdalla entrou com uma ação judicial pedindo a reintegração de posse da área, e ganhou por meio de uma brecha legal, como define o MST.
O militante movimento Diogo Mazin ressalta a produtividade que o lugar adquiriu após a ocupação pelas famílias. Para ele, a terra de pouco mais de 100 mil hectares passou por uma mudança radical desde 2005. Antes a área era arrendada por uma usina de cana. Agora temos 69 famílias que vivem lá. O agronegócio gera em média um emprego para cada mil hectares. O índice de geração de emprego da agricultura familiar, segundo os dados do próprio Incra, é muito maior: a cada dez hectares gera dois empregos diretos e quatro indiretos. É uma mudança considerável.
Mazin ainda lembra das conquistas e resultados da ocupação do terreno pelas famílias. Segundo ele, grande parte dos alimentos produzidos no assentamento Milton Santos são fornecidos a entidades sociais. As famílias receberam os créditos que eram de direito, ou seja, têm casa, estrada, poço artesiano, animais, plantação. Outra grande conquista é que toda a produção lá é reconhecida como produção orgânica, sem nenhuma gota de veneno.
Em cima do carro de som, Mazin gritava: Agronegócio não traz comida, isso é mentira. Traz cana e soja.
Representantes de outros movimentos populares também estavam presentes no ato. Para o militante do Movimento de Trabalhadores Desempregados (MTD), Cleiton José, a reintegração de posse é fruto de uma desigualdade de direitos entre quem planta e quem consome. A gente planta e a produção vai pra mesa dos ‘grandes’ Se o campo não planta, a cidade não janta.
À paulista
São Paulo, por ser uma cidade que é responsável por uma grande fatia da produção no campo no país, tem a especificidade de ser mais atrasado em relação a políticas de reforma agrária que outros estados, avalia o MST. O campo paulista é responsável por 33% da produção no campo no brasil, então é uma economia bastante desenvolvida. A questão é que o que está por trás disso são grandes empresas que produzem commodities para a exportação. Então no caso específico de São Paulo, existe uma diferença em relação aos outros estados da União porque a reforma agrária avança aqui a passos mais lentos ainda, explica Mazin.
De acordo com o militante do MST, há dois anos nenhuma família é assentada no estado. Para ele, 2012 foi o pior ano em relação a políticas de assentamento dos últimos 17 anos. Este ano foi um retrocesso, o agronegócio se fortaleceu. Foi um ano pior para o assentamento que o ano de 1995, em que tínhamos um governo federal mais repressor.
Sem destino
Não há previsão de destino para as famílias se elas forem de fato removidas do assentamento. Mazin afirma que não há nenhuma proposta formalizada pelo estado para a realocação dos assentados. Não há nada, nada. As famílias não terão para onde ir.
O ato teve como objetivo pressionar a presidenta Dilma Roussef para que assine um decreto de desapropriação da área por interesse social. Não queremos que a área seja comprada, porque às vezes acontece de o Incra querer comprar e o fazendeiro não aceitar, é uma desapropriação que envolve famílias e interesse coletivo. A única saída é a desapropriação por interesse social. Mazin ainda afirmou que se a presidenta não assinar o decreto até quinta-feira (11), quando acaba o prazo para as famílias desocuparem a área, as famílias podem ser a qualquer momento despejadas.
O militante do MST de Ribeirão Preto Devanir Garcia classificou o ato como de grande importância para que as famílias tenham seus direitos reconhecidos. A luta tem de ser vencida. Os assentamentos são muito importantes para a plantação. A alimentação não vem da cidade. Espero que a presidenta Dilma se lembre disse e se lembre dos votos que recebeu, que são votos do povo.
Fotos do ato hoje na avenida Paulista
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Judiciário faz ofensiva contra a Reforma Agrária, afirma Gilmar Mauro
Por José Coutinho Júnior
Da página do MST (www.mst.org.br) 11/12/12
O assentamento Milton Santos, com área pouco maior que 100 hectares e no qual vivem 68 famílias em Americana, na região de Campinas, no interior de São Paulo, corre risco de acabar.
Apesar de existir há sete anos e produzir alimentos para os municípios de Americana e Cosmópolis, uma decisão judicial de reintegração de posse ameaça a permanência das famílias na área.
Estamos enfrentando essa ofensiva muito grande do Judiciário em relação às áreas de assentamento. É uma articulação que envolve o Estado brasileiro, o agronegócio, os governos estadual e federal, impedindo o avanço da Reforma Agrária, afirma o membro da Direção Nacional do MST, Gilmar Mauro.
É um assentamento pequeno, em função da pouca quantidade de terra. É pouco mais de um hectare para cada família. É fundamentalmente destinado para a produção de hortifrúti. Esse assentamento está no meio do canavial usado pela usina Ester. E mostra a quantidade de alimentos que podemos produzir naquela terra, diz Gilmar.
A ENTREVISTA
Qual a história da área do Milton Santos?
É uma área que foi confiscada em 1976 pela ditadura em função de dívidas que o grupo Abdala tinha com a União. Várias propriedades do grupo foram confiscadas e encaminhadas para órgãos públicos. Uma delas ficou no nome do INPS, hoje Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
Mas havia uma cláusula no final dessa medida dizendo que se os bens confiscados fossem maiores do que a dívida que a empresa tinha, se faria a devolução do bem. Em 1981, o grupo entrou com uma prestação de contas e provou que os bens eram maiores que a dívida, obtendo a devolução de alguns bens, entre esses a área do assentamento.
Essa ação transitou em julgado em 1990, só que a empresa não foi no cartório registrar a propriedade no seu nome, ela continuou em nome do INSS. Isso é uma forma de ocultar patrimônio, porque eles deviam para outros setores e pessoas, e tendo o patrimônio em mãos, acabariam perdendo.
A área continua em nome do INSS e, em 2006, foi feito pedido para que o Incra assentasse as famílias do acampamento Milton Santos. E isso foi feito. Foi uma operação legal, na qual o INSS passou a propriedade ao Incra, que assentou as famílias. Esse ano o grupo Abdala veio com a ação de que a terra era deles.
Qual o interesse desse grupo?
Esse grupo tem um contrato de arrendamento que pertence à usina Ester, que entrou na Justiça pedindo a reintegração de posse. O pedido é contra o Incra e as famílias. O juiz teria dado um prazo de 15 dias para o cumprimento do despejo, o que ocorreria nessa quinta.
No entanto, nem as famílias assentadas nem o Incra foram notificados para desocupar a área. Tecnicamente, não está correndo o prazo, mas não podemos ficar esperando, porque de repente encontram algum subterfúgio legal para dizer que o prazo estava valendo.
Não existe um dispositivo legal que protege as famílias de serem despejadas, após a criação do assentamento?
A União assume os assentamentos como legais, então são homologados e a responsabilidade é da União e do governo federal. Mas quem pediu a reintegração também é um juiz federal sabedor disso. Tecnicamente, se houver o despejo, o Incra tem que indenizar todos e achar outra área. Mas nós estamos pedindo uma desapropriação por interesse social, para que as famílias não tenham que sair de lá. Na desapropriação por interesse social, não cabe recurso jurídico de contestação. Esse processo está na Casa Civil [da ministra Gleise Hoffmann]. Nossa luta é pressionar para que de fato a presidenta Dilma desaproprie a área por interesse social.
Qual a importância do assentamento para o movimento e para as cidades próximas?
É um assentamento pequeno, em função da pouca quantidade de terra. É pouco mais de um hectare para cada família. É fundamentalmente destinado para a produção de hortifrúti. Esse assentamento está no meio do canavial usado pela usina Ester. E mostra a quantidade de alimentos que podemos produzir naquela terra. Todo tipo de investimento que se faz lá dentro são recursos que vão ser movimentados nas cidades de Cosmópolis e Americana. É um assentamento que possui uma quantidade grande de famílias morando lá e sobrevivendo dessa produção. Impedir que haja esse despejo é fundamental para manter a luta pela Reforma Agrária próxima dos centros urbanos. A produção do assentamento vai para a merenda escolar, para o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA). A comunidade realiza feiras em Cosmópolis todo sábado, onde as famílias participam e levam essa produção.
Como é a relação do assentamento com a usina e fazendas vizinhas?
É muito difícil, pois há uma pressão grande para a retirada dessas famílias. A usina, inclusive, tentou fechar o caminho do assentamento para Cosmópolis, e houve várias tentativas de despejo. Por isso que há uma conjunção de interesses, tanto da Justiça Federal como da usina, de tirar essas famílias de perto do canavial. Há uma luta naquela região, para que se amplie as áreas dos assentamentos.
Quais medidas o Incra vem tomando para evitar o despejo?
O Incra diz que não vai haver despejo. O problema é que o mesmo ocorreu em situações onde as famílias foram despejadas dos assentamentos, como em Limeira, onde uma área da União foi passada para fazer assentamento. E fomos despejados brutalmente.
Essa garantia de palavra é sempre uma promessa, mas famílias querem uma decisão definitiva. E o final do ano se aproxima, queremos resolver essa situação O Incra diz que está encaminhando todos os procedimentos, tentando várias alternativas, e no limite irá realizar a desapropriação por interesse social. Falei na semana passada com os ministros Aloízio Mercadante [Educação] e a Ideli Salvati [Relações Institucionais], que estão cientes.
O que representaria, para a Reforma Agrária, esse tipo de ameaça de despejo de famílias de assentamentos produtivos?
Estamos vivendo uma situação grave. Não é só o Milton Santos. Em Pernambuco, em Minas Gerais, na área de Felisburgo, em mais duas áreas em São Paulo, existem assentamentos em consolidação que podem sofrer revés por parte da Justiça. Além de estarmos num cenário de poucas desapropriações, com a Reforma Agrária fora da pauta do governo federal e do debate político, enfrentamos essa ofensiva muito grande do Judiciário em relação às áreas de assentamento. É uma articulação que envolve o Estado brasileiro, o agronegócio, os governos estadual e federal, impedindo o avanço da Reforma Agrária.
Quais atividades o MST planejou em defesa do assentamento?
Vamos fazer uma marcha até a Paulista nesta terça-feira. A ideia é mostrar para a população que o assentamento Milton Santos pode se transformar em um novo Pinheirinho [comunidade de São José dos Campos despejada violentamente pela Polícia Militar em janeiro] e fazer uma pressão em frente ao escritório da Dilma e do Tribunal Regional Federal. Depois do ato, vamos para o assentamento Milton Santos e montar um acampamento de resistência. Na sexta-feira, teremos um grande ato em Americana para divulgar à sociedade a situação do Milton Santos e pedir a solidariedade do povo local para nossa causa.