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Vítimas do Pinheirinho se viram para pagar aluguel e sonham em ter dignidade de volta

 

Texto de: Larissa Leiros Baroni
Fotos de: Fernando Donasci
Publicado pelo portal UOL – www.uol.com.br

Ao menos 40% das famílias do Pinheirinho passaram a viver em condições de extrema pobreza após a reintegração de posse do terreno em São José dos Campos, no Vale do Paraíba, a 97 km da capital paulista, que completa um ano nesta terça-feira (22). É o que aponta a principal liderança do movimento sem-teto Valdir Martins, conhecido como Marrom. Sendo assim, grande parte dessas pessoas se vira como pode para pagar o aluguel e sonha em ter a dignidade de volta.

“Há muitos morando em lugares improvisados, como garagens, e áreas de risco, outros vivendo de favor na casa de amigos e familiares, e ao menos umas cinco famílias em condições de rua”, afirma Marrom, que relaciona a situação ao aumento do aluguel na cidade e a insuficiência da bolsa-aluguel de R$ 500 para custear as despesas da locação de imóveis.

Até novembro de 2012, segundo dados da Prefeitura de São José dos Campos, 1.719 famílias ligadas ao Pinheirinho recebiam o auxílio oferecido pelo governo do Estado em parceria com o município. Mas, em dezembro do mesmo ano, 149 famílias tiveram o pagamento bloqueado por não terem sido localizadas pelas assistentes sociais. “Na medida em que essas famílias estão se apresentando à prefeitura, com a documentação exigida, o pagamento está sendo desbloqueado”, informou a assessoria de imprensa da cidade.

Perdas

Para conseguir bancar o aluguel, Keyth Rodrigues, 31, teve que se submeter a morar na periferia da cidade em uma casa de apenas dois cômodos. Ela e a filha dividem o único quarto do local, que também é utilizado como sala. “As minhas condições de vida caíram muito neste um ano”, que desde a reintegração de posse viram sua vida desmoronar. “Perdi a casa, fiquei desempregada e meu marido foi embora.”

Com os olhos cheios de lágrimas e um olhar marcado pela tristeza, Keyth compara a perda de sua antiga casa no Pinheirinho à perda da dignidade. “Me senti uma mendiga, abandonada por todos”, diz sobre o tempo que viveu no abrigo. “Um dia você tem tudo, mas no outro, quando acorda, já não tem mais nada”, completa.

A única renda de Keyth e da filha de 14 anos é a ajuda de custo do governo. “R$ 400 vai direto para o aluguel, os outros R$ 100 sobram para pagar as contas e comprar comida”, conta ela, que pretende vender lanches para complementar a renda. E, se não bastasse, em dezembro ela teve o benefício suspenso porque a assistente social não encontrou a casa onde mora. “Menos mal que a proprietária entende minha situação. Mas a situação parece ter sido resolvida e nesse mês, provavelmente, vou receber retroativo.” E sobre o futuro, ela diz não fazer muitos planos. “Não sei o que vai ser daqui para frente. Só espero que eles [o governo e o município] cumpram o que estão prometendo: as nossas casas.”

Galpão

Situação parecida é vivida pelo catador José Nivaldo de Melo, 44, que foi para o Pinheirinho em 2004, local onde conheceu a mulher, casou-se e teve uma de suas filhas. A família Melo passou por três diferentes casas neste ultimo ano e até em um galpão de reciclagem sem porta viveu. “Estávamos no paraíso e não sabíamos”, diz o patriarca, ao se referir ao tempo que passou na ocupação, em uma casa de alvenaria com dois quartos, uma cozinha e um banheiro.

Atualmente, ele paga R$ 400 para morar em uma casa de apenas dois cômodos: um quarto, onde dorme com a mulher grávida de nove meses; e uma cozinha, que serve de dormitório para os três filhos do casal e de sala. Na parede, as marcas do mofo e as rachaduras revelam a falta de conservação do local.

Com a reintegração de posse, Melo perdeu todos os pertences, só conseguiu retirar documentos e algumas peças de roupas. “Todos os eletrodomésticos, os móveis e os brinquedos das crianças ficaram. Não tinha como pagar um carreto para retirá-los”, lembra. Mas, a pior perda para ele foi o material reciclado que alojava em um galpão do terreno, estimado em mais de R$ 1.000. “Tudo foi queimado, inclusive nosso gato. A Polícia Militar até permitiu a retirada do material, mas não tinha nem para onde levar meus filhos, para onde ia levar tudo aquilo?”.

Perdas que deixam marcas na vida de Melo, que diz se lembrar do barulho dos tiros da polícia toda vez que fecha os olhos, assim como o olhar de aflição e de medo dos moradores do Pinheirinho. “As lembranças da reintegração de posse são tristes, mas do tempo em que vivi lá são ótimas. Não gosto nem de passar em frente ao terreno para evitar recordações”, declara. “Minha esperança é ter um lar e voltar a ter dignidade.”

Banheiro vira quarto

A dona de casa Rose Aparecida Silva, 43, chegou a investir aproximadamente R$ 20 mil na casa em que morava no Pinheirinho. “E na hora que ela estava do jeito que sonhava a vi virar pó”, conta ela, que atualmente divide o aluguel de R$ 800 com a filha. Ela trocou sua antiga residência de sete cômodos por uma de quatro, que para caber toda família precisou de uma adaptação. O banheiro da suíte se transformou em um quarto.

“Nossa qualidade de vida piorou muito, tanto do ponto de vista emocional como financeiro”, conta Rose, que não tem condições de trabalhar porque cuida de uma prima deficiente mental. Na casa, apenas a filha mais velha, que vende lingerie, e o marido, que é catador, trabalham.

Divisão do aluguel

Para driblar as dificuldades relacionadas aos custos do aluguel, algumas famílias decidiram dividir o mesmo imóvel. Como é o caso do catador Esmael Alves dos Santos, 41, que mora com outras nove pessoas [filhos, neto, nora, sobrinha, cunhado e mulher] para conseguir bancar o aluguel de R$ 700. A casa térrea tem uma garagem, além de dois quartos, uma cozinha, uma sala e um banheiro. “A gente se divide como pode, mas tem espaço para todos”, diz.

Há bem mais espaço do que móveis. “Tudo que construí durante os últimos oito anos perdi na reintegração. Ficou tudo embaixo do entulho”, conta o catador, que afirma que não tinha condições de pagar o frete para a retirada dos móveis da casa que chegou a investir R$ 16 mil. Mas, além da perda material, Santos conta nunca ter se sentido tão humilhado na vida. “Senti na pele o que é o preconceito. Nós éramos identificados com uma pulseira e em qualquer lugar que íamos, percebia um olhar de desconfiança das pessoas. Até hoje quando falo que era do Pinheirinho sinto um olhar torto.”

Embora Santos sinta muita falta da vida que levava no Pinheirinho, principalmente pelas amizades que fez lá, o catador afirma que o choque vivido na reintegração de posse lhe deixou uma lição: “Nunca mais invadir terreno de ninguém. Até porque tudo que se gasta, se perde. Agora, só invisto se for minha.”

O drama da morte

Após 26 anos sem ver o pai, a camareira Ivanilda Jesus dos Santos, 35, saiu de Ilhéus (BA) para encontrá-lo em uma cama de hospital em São José dos Campos. O que ela não sabia era que Ivo Teles dos Santos (foto acima), 70, teria sido espancado por três policiais durante a reintegração de posse do Pinheirinho, no dia 22 de janeiro de 2012.

“Quando cheguei ao hospital, os enfermeiros me disseram que ele teria chegado de Samu e tinha sofrido um ataque cardíaco”, conta ela, que não suspeitou da informação, já que desde a separação dos pais, nunca mais tinha o visto, tampouco ouvido falar nele. “Meu pai não estava falando, apenas chorava muito e fazia sinais com a cabeça.”

Ivanilda levou o pai para morar com ela em Ihéus, e no dia 10 de abril ele morreu. “Depois que ele morreu, recebi a visita de dois policiais que me mostraram alguns vídeos de meu pai todo machucado”, disse a camareira, que espera que os culpados sejam punidos.

Violência em reintegração de posse traumatiza crianças do Pinheirinho

Mesmo com apenas 11 anos de idade, Iris Guimarães de Oliveira parece ter muito a contar sobre sua experiência de vida. Com um tímido sorriso nos lábios e um brilho nos olhos tristes, a criança volta no tempo e relembra o fatídico dia da reintegração de posse do Pinheirinho, em São José dos Campos, cidade no Vale do Paraíba a 97 km da capital paulista, um ano atrás, em 22 de janeiro de 2012.

“Um dia que nunca mais vou esquecer”, diz. A fala é interrompida por um choro com direito a soluço, mas logo o fôlego é retomado e ela continua: “Estava ao lado de outras crianças quando, de repente, uma bomba de gás caiu próximo de mim. Fiquei desesperada e sai correndo. Meu corpo tremia dos pés as cabeças e não conseguia controlar o choro. Queria parar de chorar, mas era mais forte do que eu”, contou.

As lembranças desse dia também se misturam com tudo que ela teve que deixar para trás. “Meus brinquedos ficaram todos na minha casa, que foi destruída. Meus quatro cachorros se perderam no meio de toda a confusão. E meu gatinho deve ter sido queimado junto com o material reciclado do meu pai”, recorda.

Iris também lamenta ter se distanciado dos amigos que fez na comunidade e ter tido que trocar de escola. “Nesta nova escola, um menino de chamou de favelada e sem-teto”, lembrou ela, que voltou a chorar. E, ao ser questionada sobre seu maior sonho, a resposta é rápida e direta: “Voltar a morar no Pinheirinho.”

A irmã mais nova de Iris, Talita Estefani de Oliveira, de seis anos, é bem mais reservada. Mas, embora não tenha falado muito sobre suas lembranças, diz ter bastante medo de policiais. “Toda vez que ela vê um policial, se esconde”, afirma o pai das meninas, José Nivaldo de Melo, 44.

Medo também compartilhado por Michael Gabriel Silva, 6, que ao passar em frente ao terreno do Pinheirinho exibe um sorriso e mostra para a equipe de reportagem do UOL onde brincava com os amigos. “Até fugia da minha mãe para poder jogar bola com eles. Agora, não tenho mais com quem brincar”, conta.

Na área, hoje abandonada, cavalos pastam

A história

•   ACESSE AQUI para ler e ver fotos: 22/01/2012 – PSDB ordena desocupação violenta no Pinheirinho

•    ACESSE AQUI para ver vídeo da violenta desocupação policial no Pinheirinho

 

•   ACESSE AQUI para assistir vídeo sobre ato de protesto contra desocupação violenta no Pinheirinho, realizado em 22/02/2012 em São José dos Campos.

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