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VÍDEO sobre médicos cubanos. Polêmica mostra preconceito e mercantilização da saúde

A chegada de médicos estrangeiros ao Brasil para suprir a falta destes profissionais em regiões carentes e distantes dos grandes centros provocou grande polêmica. Foi instalada verdadeira campanha contra estes médicos, com os cubanos como alvos preferidos.

Revistas semanais, como, por exemplo, a Veja, de perfil econômico neoliberal, conservadoras e reacionárias, que defendem que a classe trabalhadora existe para ser explorada e gerar lucro para os capitalistas, dirigidas a um público leitor supostamente de elite e intelectualizado, junto com jornais de grande circulação e emissoras de rádios e TV’s, entraram firmes e duramente contra a chegada destes médicos estrangeiros. Mais uma vez, notadamente contra os cubanos.

A mídia nacional, em sua imensa maioria, atua como bumbo para divulgar e reproduzir opiniões da maioria de médicos – há exceções – e suas entidades representativas de classe, que quer manter a chamada “reserva de mercado” para a categoria, mesmo à custa de que milhões de brasileiros continuem sem assistência médica. Inclusive pela razão de eles quererem trabalhar apenas em grandes centros, cobrando alto pela consulta, transformando a saúde e o sofrimento em fonte segura de alta renda.


Comentarista da Globo, ao vivo, deixa
escapar que medicina cubana é modelo
para a Organização Mundial da Saúde

No entanto, como diz o ditado popular, “O diabo cobra”! A Globo sempre foi contra as mobilizações da classe trabalhadora e dos movimentos sociais e populares em luta por seus direitos. A história é longa. Como exemplos, desde a campanha pelas Diretas-Já!. com início em 1983 até as grandes manifestações que desde junho último ocorrem em todo o país.

No programa GloboNews em Pauta, de 29 de agosto, o jornalista Jorge Pontual, de Nova York (Estados Unidos), fez elogios à medicina cubana e afirma que ela é considerada como modelo pela Organização Mundial da Saúde (OMS) – subordinada à Organização das Nações Unidas (ONU).

Como o programa é ao vivo, o comentário foi para o ar. No entanto, ele teria sido retirado (censurado!?) do site da Globo e retornou somente após uma enxurrada de protestos.

SIGA ESTE LINK para assistir o vídeo da GloboNews em Pauta, no qual o jornalista Jorge Pontual explica a razão pela qual a medicina cubana é considerada modelo para o mundo.

Preconceito, discriminação, mercantilização da medicina

Por Douglas Belchior – Professor e ativista social, militante do Movimento Negro e do Movimento de Cursinhos Comunitários.

Publicado no site Combate Racismo Ambiental

“Em seu texto sobre a polêmica dos médicos cubanos no Brasil e a reação de uma jornalista potiguar que escandalizou as redes sociais ao dizer que médicos cubanos pareciam “empregadas domésticas”, e que precisariam ter “postura de médico”, o que não acontecia com os profissionais cubanos, o professor Dennis de Oliveira sintetizou:

‘(…) ela expressou claramente o que pensa parte significativa dos segmentos sociais dominantes e médios do Brasil: para eles, negros e negras são tolerados desde que em serviços subalternos. Esta é a “tolerância” racial brasileira.’

Essa mentalidade racista que sempre pressupôs o lugar do negro em nossa sociedade, contaminou milhares de jovens estudantes nas últimas muitas gerações. Isso somado ao descaso com a qualidade da educação pública faz com que, em sua grande maioria, jovens negros e/ou pobres sequer sonhem com universidades ou profissões “diferentes” daquelas nas quais percebem seus iguais.

Herdeiros de Nina Rodrigues

A classe médica (e média) que hoje não se constrange em manifestar seu preconceito racial é herdeira de Nina Rodrigues.

Racista confesso, o renomado médico baiano tentava dar cientificidade à sua tese sobre as raças inferiores. Acreditava ele que os negros tinham capacidade mental limitada e uma tendência natural à criminalidade.

No final do século XIX, Nina Rodrigues combatia a miscigenação por acreditar que qualquer mistura poderia degenerar a raça superior branca. Mais ainda, defendia a existência de dois códigos penais: uma para os brancos e outro para as raças inferiores.

Esses e outros absurdos podem ser observados em seu livro ‘As Raças Humanas e a Responsabilidade Penal no Brasil’.

A população negra perfaz mais de 50% da população brasileira, mas entre os formados em medicina o percentual foi de 2,66% em 2010. Na USP, por exemplo, são comuns listas de aprovados nos vestibulares mais concorridos sem sequer um único autodeclarado negro, como foi o caso deste ano de 2013. Isso se repete na Bahia, onde mais 70% da população é negra.

A declaração de Cíntia, do Capão Redondo (SP)

Cintia Santos Cunha foi uma exceção. E ao a ouvi-la falar, ao perceber a postura de dignidade que todo ser humano pode – se quiser, carregar, independente de sua profissão, é possível entender o porquê de tanta oposição por parte das classes dominantes em relação à presença dos doutores de pele preta: a descoberta de sua mediocridade.

Médicos, imprensa e Conselho Federal de Medicina corporativistas, reacionários, cínicos e racistas é para vocês a grande lição deixada pela estudante de medicina em Cuba, Cíntia Santos Cunha, que retornou a Ilha para concluir o curso em fevereiro de 2014.

É do povo que vocês têm medo! E devem mesmo ter medo! Toda sua riqueza não é suficiente para compensar os mais de 500 anos de opressão.”

Carta aos médicos cubanos

“Bem-vindos, médicos cubanos. Vocês serão muito importantes para o Brasil. A falta de médicos em áreas remotas e periféricas tem deixado nossa população em situação difícil. Não se preocupem com a hostilidade de parte de nossos colegas. Ela será amplamente compensada pela acolhida calorosa nas comunidades das quais vocês vieram cuidar.

A sua chegada responde a um imperativo humanitário que não pode esperar. Em Sergipe, por exemplo, o menor Estado do Brasil, é fácil se deslocar da capital para o interior. Ainda assim, há centenas de postos de trabalho ociosos, mesmo em unidades de saúde equipadas e em boas condições.

Caros colegas de Cuba, é correto que nós médicos brasileiros lutemos por carreira de Estado, melhor estrutura de trabalho e mais financiamento para a saúde. É compreensível que muitos optemos por viver em grandes centros urbanos, e não em áreas rurais sem os mesmos atrativos. É aceitável que parte de nós não deseje transitar nas periferias inseguras e sem saneamento.

O que não é justo é tentar impedir que vocês e outros colegas brasileiros que podem e desejam cuidar dessas pessoas façam isso. Essa postura nos diminui como corporação, causa vergonha e enfraquece nossas bandeiras junto à sociedade.

Talvez vocês já saibam que a principal causa de morte no Brasil são as doenças do aparelho circulatório. Temos um alto índice de internações hospitalares sensíveis à atenção primária, ou seja, que poderiam ter sido evitadas por um atendimento simples caso houvesse médico no posto de saúde.

Será bom vê-los diagnosticar apenas com estetoscópio, aparelho de pressão e exames básicos pais e mães de família hipertensos ou diabéticos e evitar, assim, que deixem seus filhos precocemente por derrame ou por infarto.

Será bom vê-los prevenindo a sífilis congênita, causa de graves sequelas em tantos bebês brasileiros somente porque suas mães não tiveram acesso a um médico que as tratasse com a secular penicilina.

Será bom ver o alívio que mães ribeirinhas ou das favelas sentirão ao vê-los prescrever antibiótico a seus filhos após diagnosticar uma pneumonia. O mesmo vale para gastroenterites, crises de asma e tantos diagnósticos para os quais bastam o médico e seu estetoscópio.

Não se pode negar que vocês também enfrentarão problemas. A chamada “atenção especializada de média complexidade” é um grande gargalo na saúde pública brasileira. A depender do local onde estejam, a dificuldade de se conseguir exame de imagem, cirurgias eletivas e consultas com especialista para casos mais complicados será imensa.

Que isso não seja razão para desânimo. A presença de vocês criará demandas antes inexistentes e os governos serão mais pressionados pelas populações.

Para os que ainda não falam o português com perfeição, um consolo. Um médico paulistano ou carioca em certos locais do Nordeste também terá problemas. Vai precisar aprender que quando alguém diz que está com a testa “xuxando” tem, na verdade, uma dor de cabeça que pulsa. Ou ainda que um peito “afulviando” nada mais é do que asia. O útero é chamado de “dona do corpo”. A dor em pontada é uma dor “abiudando” (derivado de abelha).

Já atuei como médico estrangeiro em diversos países e vi muitas vezes a expressão de alívio no rosto de pessoas para as quais eu não sabia dizer sequer bom dia –situação muito diferente da de vocês, já que nossos idiomas são similares.

O mais recente argumento contra sua vinda ao nosso país é o fato de que estariam sendo explorados. Falou-se até em trabalho escravo. A Organização Pan-americana de Saúde (Opas) com um século de experiência, seria cúmplice, já que assinou termo de cooperação com o governo brasileiro.

Seus rostos sorridentes nos aeroportos negam com veemência essas hipóteses. “Em nome de nosso povo e de boa parte de nossos médicos, só me resta dizer com convicção: Um abraço fraterno e muchas gracias.”

DAVID OLIVEIRA DE SOUZA, 38, é médico e professor do Instituto de Pesquisa do Hospital Sírio-Libanês. Foi diretor médico do Médicos Sem Fronteiras no Brasil (2007-2010)

Publicado na FSP – 30 agosto 2013

Mais análises e opiniões

SIGA ESTE LINK para ler no site do jornal Brasil de Fato mais artigos, análises e opiniões sobre a questão médicos estrangeiros no país.

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