Laboratórios e distribuidores de medicamentos vêm boicotando licitações de órgãos públicos para a compra de remédios nos casos em que a lei federal obriga a concessão de descontos, segundo o governo de São Paulo.
O Ministério Público Federal investiga a prática.
São remédios adquiridos por ordem judicial, quando o doente ganha o direito de recebê-los do Estado. Conforme norma de 2006 da CMED (Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos), órgão federal, o desconto de 25% é obrigatório nesses casos.
A regra foi questionada na Justiça pela indústria, que perdeu. Quem descumpri-la está sujeito a multa de até R$ 3 milhões ou interdição.
No lançamento do programa, o Ministério da Saúde estimou que União, Estados e municípios economizariam R$ 120 milhões por ano.
Segundo o governo, o boicote a licitações se disseminou no Estado. Com isso, acaba pagando até 20% a mais pelos medicamentos, pois os compra diretamente na farmácia. Remédios distribuídos pelo governo por decisão judicial movimentam R$ 300 milhões ao ano.
Segundo o advogado Alexandre Nemer, especialista em direito sanitário, nenhuma empresa é obrigada a participar de licitações. Mas o Ministério Público Federal em Bauru abriu inquérito para apurar indícios de ação premeditada, a partir de dossiê entregue pela regional da Secretaria da Saúde.
Os documentos, obtidos pela Folha dizem que, quando procurados por ofício para que entreguem os remédios, “fornecedores, distribuidores e fabricantes se recusam a vender ou não respondem” ao pedido.
Apontam que 66 laboratórios deixaram de vender 430 itens, que correspondem a 351 medicamentos, nas licitações abertas pela regional de Bauru em 2010.
Nessa lista há drogas para câncer, Parkinson, hepatite, hipertensão, entre outras, fabricadas pelos maiores laboratórios do mundo, como Abbot, AstraZeneca, Bayer, Merck, Medley e Roche.
A secretaria não só confirma a suposta irregularidade em Bauru como diz que isso ocorre em “várias regiões”. Diz ter “estranhado” que nenhuma empresa se interessava pelas licitações, o que dificultava e atrasava a compra.
O Ministério Público e a CGU (Controladoria-Geral da União) apontaram que o mesmo já ocorreu no AM e no DF. A CMED diz não ter competência legal para punir empresas que não se apresentam em licitações.
Pode só aplicar multas a quem vender medicamentos ao governo sem o desconto -36 já foram punidas.
Empresas afirmam desconhecer boicote a licitações e seguir normas
DE BRASÍLIA
O presidente da Interfarma (Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa), Antônio Britto, disse que desconhece qualquer boicote a licitações e que 20% do mercado de medicamentos tem órgãos públicos como compradores.
A entidade recorreu ao STJ em 2007 contra a lei que exige o desconto em vendas governamentais por entender que ela é “arbitrária e ilegal”.
Para o Sindusfarma (sindicato da indústria paulista), cabe a cada empresa se pronunciar, pois se trata de “decisão comercial, baseada em interesses específicos e/ou estratégias de mercado”.
Além disso, diz, laboratórios vendem anualmente, com desconto, “centenas de milhões de reais em remédios para os governos federal, estaduais e municipais”.
O Aché informou que participa de licitações por meio de distribuidores e oferece a eles “condições comerciais” que permitem o desconto.
O AstraZeneca disse desconhecer qualquer boicote e participar de licitações sempre que atende aos requisitos. A Medley afirmou que desconhece o inquérito da Promotoria e já participou de licitações dando o desconto. A Novartis disse que não faz boicote e participou de todas as licitações para as quais foi convidada, 67 em 2010 em Bauru.
A Roche nega “qualquer inconformidade sobre vendas públicas”. A Pfizer afirma que não se recusa a participar de licitação. A Abbott Brasil diz desconhecer o inquérito, participar “com constância” de licitações e seguir a lei.
Tratamento de câncer para por falta de remédio
DE BRASÍLIA
Durante seu tratamento contra câncer de mama, finalizado em janeiro, a funcionária pública aposentada Ana Lídia de Oliveira, 52, chegou a ficar 45 dias sem o remédio. O fornecimento da droga havia sido garantido pela Justiça.
Fabricado pelo laboratório Astrazeneca, o Arimidex é um dos medicamentos que a Secretaria de Saúde de São Paulo diz não ter conseguido comprar pela falta de interessados na licitação.
Em farmácias, a caixa da droga para um mês sai entre R$ 400 e R$ 600.
Como esse medicamento não é oferecido regularmente pelo SUS (Sistema Único de Saúde), Ana Lídia entrou na Justiça. O tratamento dela era diário, e durou cinco anos.
Quando procurava saber o motivo da demora, a explicação era que o governo estava negociando o preço. Ou que havia problema com o pagamento, o que a deixava indignada.
“Tinha que ter feito a negociação antes de dar problema, porque o que eu tinha não era nenhuma gripe”, diz Ana Lídia.
Apesar dos obstáculos, ela terminou o tratamento. Mas ficou desanimada com a rede de saúde.
edição de 04/04/11 – Caderno Cotidiano
JOSÉ ERNESTO CREDENDIO
ANGELA PINHO
DE BRASÍLIA