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Manifestação contra usina nuclear mobiliza sertão de Pernambuco

 

Hoje, 5 de junho, Dia Internacional do Meio Ambiente, o Sindicato Químicos Unificados publica uma matéria especial comemorativa à data. A reportagem conta sobre a resistência dos povos do sertão pernambucano aos planos que estudam a construção de usinas nucleares na região, mais especificamente próximo às cidades de Jatobá, Floresta, Itacuruba e Belém do São Francisco, situadas perto de 400 km da capital Recife.

O texto é de autoria de Ingrid Campos e as fotos de João Zinclar. Este trabalho e as manifestações nele relatadas são organizados pela Articulação Popular São Francisco Vivo, pelo Projeto Cultura de Paz e pela Diocese de Floresta (PE), entre outras entidades dos movimentos sociais e populares locais.

“Valei-me, minha virgem das Candeias, os Encantos de luz é quem nos alumeia”. O canto sincrético entoado pelo pajé Manuel Cacheado, da tribo dos Pankará, foi seguido por cerca de duas mil vozes, na cerimônia que deu início, no dia 3 de junho, à “Marcha pelas Águas”, em Itacuruba, sertão pernambucano, a 439 km de Recife.

A manifestação organizada pela Articulação Popular São Francisco Vivo, pela Diocese de Floresta (PE) e pelo Projeto Cultura de Paz reuniu um contingente diverso, que incluiu vaqueiros, educadores, estudantes, movimentos sociais, indígenas, quilombolas e pastorais sociais para percorrer 12 km em protesto à possível instalação de uma usina nuclear na cidade.

“Não há um anúncio oficial, mas no Plano Nacional de Energia 2030, produzido pela Empresa de Pesquisa Energética, aparece a intenção do governo em construir quatro usinas nucleares, duas no sul e duas no nordeste do país”, explica o professor do Departamento de Energia Elétrica da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e membro do Movimento Ecossocialista do estado (MESPE), Heitor Scalambrini.

A intenção do governo passou a ganhar contornos mais reais quando, em fevereiro de 2011, a imprensa anunciou Itacuruba como a escolha mais provável da Eletronuclear para a construção da primeira usina nuclear do Nordeste. Os boatos animaram os prefeitos da região, que passaram a disputar a localização da usina, mas também alarmou a sociedade civil que não demorou a se mobilizar para barrar a implantação.

Um dos primeiros grupos a se manifestar foi o Projeto Cultura de Paz. A rede, que reúne educadores da Diocese de Floresta, está presente em 12 municípios e através da articulação com o MESPE e com a Articulação Popular São Francisco Vivo realizou em outubro de 2011 uma caravana por quatro cidades da região (Jatobá, Floresta, Itacuruba e Belém do São Francisco). Através de feiras de ciências e apresentações culturais, o grupo buscou informar, esclarecer e mostrar alternativas à implantação da usina nuclear.

Um dos pontos elucidados diz respeito à capacidade energética do Brasil. “Não há a necessidade de implantar esse projeto, o Brasil tem um superávit de cerca de 5 megawatts”, defende Scalambrini. Após o desastre de Fukushima, no Japão, que tem levado vários países europeus a recuarem na política de energia nuclear, a explicação que Scalambrini encontra para o governo brasileiro insistir na expansão desse modelo tem razões outras que não a seguridade energética.  “Há um lobby e pressões muito fortes relacionadas à questão bélica e à questão econômica”.

Segundo o pesquisador, as empresas fabricantes dos reatores estariam perdendo mercado na Europa, e a América Latina seria a alternativa para não fecharem as portas. “O Brasil tem duas usinas nucleares, a Argentina tem uma, e ambos os países já demonstraram o desejo de aumentar a quantidade. O Chile e a Venezuela já pronunciaram o desejo de construírem as suas usinas também”, analisa Scalambrini. “A decisão para a construção da usina nuclear não é técnica, é meramente política”, finaliza.

Por esse motivo, pressionar politicamente se mostrou também o melhor caminho. “Desde que iniciamos as caravanas, várias pessoas tomaram conhecimento da ameaça e começaram a se pronunciar contrárias ao empreendimento”, comemora a coordenadora do Projeto Cultura de Paz, Maria José de Araújo. Na matemática final dos esforços de mobilização, 50 entidades e organizações já se pronunciaram contrariamente ao projeto, o prefeito da cidade de Itacuruba mudou publicamente sua declaração na audiência pública realizada pelo Ministério Público de Pernambuco, e 2000 pessoas foram às ruas protestar, na Marcha das Águas, desse domingo (03 de junho de 2012). Dentre elas, curiosamente, não estava presente nenhum político da região.

Sem repetição

“Estou com medo de ter que ser expulsa novamente da minha cidade”, explica Valdeneci Lourenço, participante da manifestação. Valdeneci tinha 12 anos quando a barragem de Itaparica inundou a primeira cidade de Itacuruba, no ano de 1987. As más lembranças ainda povoam a sua memória e motivam a sua opinião contrária.

A liderança Pankará, Geraldo Lopes, concorda. “Nós morávamos em terra fértil, agora é uma terra de cascalho. Depois da barragem, boa parte da população entrou em depressão ou morreu”, conta.

Repetir a história é o que a população não quer. “O governo impõe os projetos sem escutar o povo. Dessa vez queremos ser ouvidos”, reivindica Maria José.

O histórico de surdez governamental não remonta apenas à construção da barragem de Itaparica e a ameaça da usina nuclear. Outras grandes obras recentes têm impactado a população da região de maneira tão ou mais violenta. A transposição do rio São Francisco, a ferrovia Transnordestina e o canal do rio Pajeú expulsaram comunidades rurais inteiras e têm contribuído para o aumento da violência de uma região já muito perigosa.

Especulação imobiliária, aumento da prostituição, assaltos e assassinatos são realidades que têm criado um clima de descrença em relação às grandes obras. “Todo mundo acreditava na transposição aqui na região. Hoje, temos dois tipos de visões. A visão dos lugares onde as obras foram iniciadas e as pessoas não acreditam mais, e a visão daqueles nos locais onde as obras ainda não tiveram início e por isso ainda acreditam”, analisa o agente da Comissão Pastoral da Terra de Pernambuco, Dênis Venceslau.

Ele acredita que essa é uma das razões da adesão de grande parte da população de Itacuruba e região à mobilização. Depois de tantas obras restaram poucas ilusões.

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