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Sem-teto enfrentam desconforto das ocupações pelo sonho da casa própria

 

Reportagem transcrita do portal Uol (www.uol.com.br),
publicada em 17/março/2012. Texto de Larissa Leiros Baroni,
do UOL, em São Paulo. Fotos de Fernando Donasci/UOL

O local não tem energia elétrica, banheiro, cozinha ou o mínimo de conforto, mas, duas semanas depois da ocupação, virou lar para mais de 2.000 famílias. Os novos moradores do chamado “Novo Pinheiro”, em Embu das Artes, na região metropolitana de São Paulo, improvisam barracas apenas com bambus e lonas. Uns contam apenas com o básico: um lençol. Outras, mais sofisticadas, têm armários, sofás e camas. Todos, porém, têm um desejo em comum, que é abandonar um aluguel muito alto ou não precisar mais morar de favor na casa da sogra, dos pais, de algum amigo ou parente.

 

 

 

Ocupação Novo Pinheirinho, em Embu das Artes, região da grande São Paulo

 

 

Eles tentam conseguir auxílio do governo para comprar a casa própria ou, em último caso, para ganhar o bolsa-aluguel até que o objetivo seja alcançado. E, pelo sonho, tentam resistir o quanto podem ao cenário adverso.

 

As ocupações, segundo Vanessa de Souza, coordenadora estadual do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto), duram em média um ano. “Algumas terminam em menos de três meses, mas outras se estendem até três anos”, diz ela. “Não sabemos ao certos quantos deles desistem, mas as desistências são inferiores a 10%.”

Com quatro crianças para criar e grávida de quatro meses, Maria Lucineide dos Santos, 23, se arrepende de ter desistido de sua última ocupação, e agora volta ao movimento com a promessa de resistir até que o sonho de sua casa própria seja realizado.

 

 

 

Maria Lucineide dos Santos, com 23 anos

 

 

“Na última vez, fiquei apenas 15 dias acampada e acabei tendo que desistir porque a minha filha ficou doente. Mas, confesso que fiquei chateada, principalmente por saber que todos os que ficaram até o final do movimento conseguiram suas casas”, lamenta. Desta vez, a filha de dois anos também está doente. “Se for preciso, saio para levá-la ao hospital, mas volto.”

 

Atualmente, Maria Lucineide está desempregada e mora de favor na casa da tia do pai de uma de suas filhas, que tem uma renda mensal de R$ 650. “Antes recebia R$ 80 do Programa Renda Cidadão, mas o benefício foi cortado porque não compareci a reunião escolar das crianças”, conta ela, que além das duas filhas –uma de 2 e outra de 4 anos–, cuida da sobrinha de 11 anos, que perdeu a mãe e do enteado de 8 anos.

E, apesar da jovem reconhecer que o acampamento não é o lugar mais cômodo para ficar com seus filhos, afirma que terá que permanecer com eles na barraca com apenas uma cama até que as negociações sejam finalizadas. “Não tenho com quem deixá-los. Portanto, este é um mal mais que necessário para que no futuro possamos ter um conforto”, diz.

Legado para os filhos

Diferentemente de Maria Lucineide, a diarista Ivanilde Oliveira de Jesus, 42, preferiu deixar os seis filhos de fora deste protesto. “Eu que tenho que sofrer por eles”, diz ela, que não vê a hora conseguir a casa própria para não mais precisar morar de favor com a sogra. “Tenho 42 anos e quero deixar algo para os meus filhos”, conta.

 

 

 

Ivanilde Oliveira de Jesus, 42 anos

 

 

Enquanto Ivanilde passa fome e aguarda o marido voltar do trabalho com um prato de comida no final da tarde, os filhos são cuidados pela mais velha de 17 anos, “com todo o conforto da cama deles e sem atrapalhar a rotina escolar.”

 

Para tentar tapear a fome, ela conta que recorre à água, e na hora do banheiro, apela para uma garrafa pet cortada ao meio. Os desafios ela enfrenta na tentativa de garantir aos seus filhos o que a mãe dela não dar a ela. “Nunca estudei, porque aos 15 anos tinha que ir ao farol vender balas para trazer dinheiro para casa. Quero que meus filhos tenham um futuro diferente, por isso que priorizo sempre os estudos deles.”

Nem ela nem o marido têm renda fixa, mas eles recebem R$ 110 do programa Bolsa Escola. “Já tive que bater nas casas alheias para pedir comida e, pelo meus filhos, faço isso quantas vezes forem necessárias”, diz.

Novo Pinheirinho

O terreno ocupado em Embu das Artes por cerca de 2.200 famílias desde o último dia 2 de março é de propriedade da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano), que adquiriu o local em 1998 para construir um conjunto habitacional para a população de baixa renda.

O projeto previa a manutenção da vegetação local, com a criação de um Parque Ecológico, a construção de 1.200 unidades habitacionais na área desmatada, bem como de um centro esportivo, um centro educacional e outro centro de cultura ambiental, destinados à comunidade.

Mas, a proposta nunca saiu do papel. Em 2006, um grupo de ambientalistas contrários à proposta das moradias populares conseguiu uma liminar do Ministério Público proibindo construções no local.

Em nota, a CDHU afirma que o projeto respeita estritamente a legislação ambiental vigente e que pediu à Justiça, no último dia 5 de março, uma nova perícia ambiental na área. A medida visa a revogar a liminar que impede os atos preparatórios para construção do empreendimento.

O MTST – que organiza a ocupação – defende a construção das unidades habitacionais na área desmatada e a preservação da área classificadas como APP (Área de Proteção Permanente), explica Vanessa de Souza, coordenadora do movimento.

Mas, enquanto o impasse judicial não se resolve, a CDHU diz que já vem atendendo às reivindicações do MTST com dois projetos em Taboão da Serra (SP), em parceria com o Programa Minha Casa Minha Vida Entidades, e com a oferta de auxílio-moradia para as famílias indicadas pelo movimento até o atendimento habitacional definitivo.

No dia 6 de março, a comunidade do acampamento Novo Pinheirinho do Embu recebeu uma ordem de despejo emitido por um grupo de ambientalistas autonomeado “pró-parque”, sob a liderança da advogada Maria Isabel Hodnik. O MTST, no entanto, disse que tomará as medidas cabíveis para contornar a situação.

Realidade brasileira

* 9.000 é o número de famílias que sofrem com a falta de moradia digna em Embu das Artes, segundo estimativa do MTST.

* 33 milhões de brasileiros não possuem moradia, de acordo com o Programa da ONU (Organização das Nações Unidas) para Assentamentos Humanos

Ocupação é a única esperança de moradia para cadeirante de Embu (SP)

“Essa é a minha única esperança”. É o que diz o aposentado Nelson Siqueira Filho, 51, que há 25 anos vive em cima de uma cadeira de rodas, ao explicar sua adesão ao acampamento conhecido como “Novo Pinheiro” em Embu das Artes, região metropolitana de São Paulo, que já abriga mais de 2.000 famílias.

 

 

 

Nelson Siqueira Filho, 51 anos

 

 

Ele vive com os dois filhos – um de quatro anos e o outro de 14 – e a mulher em um quartinho de um único cômodo que aluga por R$ 250 mensais. O salário da aposentadoria, no valor de R$ 420, já desconta o empréstimo realizado há 12 meses para a compra de sua cadeira de rodas, o resto, segundo ele, “não dá para nada”. “Gasto quase tudo com remédios para osteomielite. Muitas vezes tenho que recorrer à ajuda pastoral para conseguir comer”, explica.

 

Siqueira vê na ocupação uma chance de melhor sua situação. “Quando vi as pessoas entrando no terreno, a esperança que parecia ter morrido, renasceu”, diz o aposentado.

Mesmo suando, por conta do calor da barraca, e com dificuldades para se locomover, ele afirma: “Isso não é nada perto do que passo preso dentro do cubículo em que moro, onde mal consigo me movimentar.”

“Não vou mais sair daqui, porque aqui será nosso lar de verdade”, conta ele, ao se referir ao projeto da CDHU (Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano do Estado de São Paulo), que prevê a construção de 1.200 moradias no terreno conhecido como “Roque Valente”, mas que foi barrado por ambientalistas.

Quem quer participar da ocupação, segundo a coordenadora estadual do MTST, Vanessa de Souza, só precisa encontrar um espaço no terreno e respeitar algumas regras básicas de convivências. “A primeira delas é não vender nada dentro da ocupação, tampouco comerciar lotes”, explica. Também é proibido desmatar. “As demais regras são decididas em comum acordo com os ocupantes para a criação de um regimento interno.”

Para aqueles que já têm um imóvel, Vanessa alerta: “É uma perda de tempo”. E embora reconheça não ter como se prevenir dos oportunistas, a duração deles na ocupação, segundo ela, é passageira. “Eles sempre acabam desistindo ao ver as dificuldades.”


Mulher de quase 60 anos enfrenta ocupação pela quarta vez

Mesmo com dificuldades de andar e com o cansaço expresso no olhar, Anália Pereira Guimarães, 59, enfrenta seu quarto acampamento, ao integrar, desde o dia 2 de março, a ocupação chamada de “Novo Pinheiro”, em Embu das Artes, região metropolitana de São Paulo. Mas, desta vez, ela enfrenta a precariedade do local para conseguir uma moradia para sua filha, de 21 anos.

 

 

 

Anália Pereira Guimarães, 59 anos

 

 

“Passei um ano em uma ocupação no Jardim Cinira, em Itapecerica da Serra [SP], que terminou sem nenhum acordo. Indignados, partirmos andando com todos os nossos pertences por cerca de duas horas para outro terreno, onde permanecemos por mais dois anos”, conta. Para ela, o sacrifício que teria lhe rendido uma bolsa-aluguel de R$ 300 até julho deste ano, é motivo de orgulho, mesmo que ela gaste R$ 650 para morar.

 

Para Anália e seu marido, a conquista do benefício não aplacou a luta por moradia. Em 2011, o casal partiu para outra ocupação, que durou um pouco menos de um ano. “Conseguimos o bolsa-aluguel para meu filho de 25 anos”, conta ela, ressaltando que agora fica acampada o tempo que for necessário para ajudar a filha.

Ela não reclama de trocar o conforto de sua casa pelo calor de uma barraca de lona, o desconforto da cama improvisada com capim e lençóis, a falta de banho. “O forno do fogão é mais frio do que isso”, disse ela, apontando para sua barraca, talvez a mais humilde do acampamento, que já reúne cerca de 2.200 famílias.

A dona de casa também confessa ter medo dos bichos da região – e também da invasão da polícia -, mas enfatiza que está disposta a enfrentá-los. “É por uma boa causa”, diz.

Anália defende que o movimento só faz sentido porque é “muito bem organizado”, “estruturado” e “pacífico”. “Um apoia o outro e se não fosse essa união seria ainda mais difícil passar por tudo isso”, confessa ela, que passa o dia inteiro sozinha no acampamento e só conta com a companhia do marido na parte da noite, quando ele chega do trabalho.

A filha vai visitá-la apenas aos finais de semana. “Ela tem os compromissos dela e não pode estar aqui. Como mãe, faço isso com muito prazer”, explica Anália. Para ela, o esforço que faz pela família é o que o governo deveria fazer para todos os brasileiros.

“Alimentação e moradia são necessidades básicas e todos deveriam ter. Não queremos nada de graça, apenas melhores condições para conseguirmos nossa casinha. O bolsa-aluguel é apenas um remendo. O que queremos mesmo é uma casa.”

Fotos

Veja imagens da ocupação chamada de “Novo Pinheiro” em Embu das Artes, região metropolitana de São Paulo, desde o dia 2 de março. Todas são de autoria de Fernando Donasci/UOL.

 

ACESSE AQUI para ver mais fotos no portal UOL.

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