Ao caso da Shell Química do Brasil no bairro residencial Recanto dos Pássaros em Paulínia (São Paulo) será denunciado à Organização dos Estados Americanos (OEA) no final de maio.
A acusação de que a empresa provocou danos ao meio ambiente – como a contaminação do lençol freático – aos moradores da região e aos trabalhadores foi feita à Comissão de Direitos Humanos da ONU, em abril pelo coordenador da Plataforma Brasileira de Direitos Humanos Econômicos, Sociais e Culturais (DhESC) Brasil, Jayme Benvenuto Lima Júnior.
O documento é da relatora nacional do direito à saúde, a sanitarista e professora da Universidade Federal de São Paulo, Eleonora Menicucci. “A decisão de denunciar o caso da Shell à OEA foi da equipe do projeto”, diz a professora. E complementa: “O objetivo do relatório para ONU é escolher os casos paradgmáticos de violação dos direitos à saúde.”
Na OEA, o novo relatório pedirá a punição do governo brasileiro por permitir a atuação da empresa no País e no caso da Shell; a indenização dos 848 ex-funcionários da empresa, dos 452 da Basf que adquiriu a área da multinacional, em 2000, e dos 268 moradores do Recanto dos Pássaros. “Neste caso denunciamos a contaminação nos três níveis, no saneamento e, portanto, o meio ambiente, na saúde dos trabalhadores e dos moradores”, diz Eleonora.
O relatório de 35 páginas apresentado na ONU em abril, diferentemente da denúncia à OEA, não se restringe a Shell. Descreve também o desrespeito aos direitos humanos nos casos de mortalidade materna – que na maioria das vezes poderia ser evitado – que ocorrem pela falta de serviços básicos, como o acesso ao pré-natal; da qualidade na assistência e do mau funcionamento de um sistema de referência e contra-referência. Para mostrar o drama dessas mulheres, o relatório conta a história de cinco mães que morreram devido a maus cuidados nas cidades de Barreiros e Palmares na Zona da Mata em Pernambuco. Uma foi enterrada com o feto ainda vivo.
Além disso, cobra também avanços no tratamento de pacientes psiquiátricos e a falta de políticas específicas de saúde para mulheres e homens negros. Cita como exemplo, o despreparo dos funcionários para detectar casos como a anemia falciforme e enfatiza o quanto o preconceito prejudica e causa danos aos pacientes.
Em relação à Shell, o relatório afirma que a empresa adquiriu o terreno de Paulínia em 1974 e formulou organoclorados (compostos em geral cancerígenos) até 1990. No Brasil, o comércio de inseticidas organoclorados foi proibido em 1985, até 1990 a fabricação só era permitida para exportação até que em 1998 o produto foi proibido.
A Shell, como afirma o texto, só teria reconhecido a contaminação do lençol freático na região, 20 anos depois, em 1994, quando foi vender a área para a Cyanamid, segunda proprietária do terreno.
No levantamento ambiental, exigido, foi identificada uma rachadura em um tanque de contenção de resíduos. Para concluir o negócio, a Cyanamid impôs que a Shell fizesse uma autodenúncia ao Ministério Público e construísse uma barreira hidráulica para conter a contaminação.
Na época, a perícia identificou poluentes no solo e em águas subterrâneas como os solventes orgânicos: benzeno, xileno, ethilbenzeno, poluentes organoclorados e os inorgânicos como níquel, cobre, chumbo. De acordo com o relatório, foram detectados três vazamentos no período de atuação.
Em 1996, ainda segundo o relatório, a Shell omitiu um laudo do Instituto Adolfo Lutz que identificava a contaminação do lençol freático em área fora da empresa. Em dezembro de 2000, outro estudo feito pelo Instituto Adolfo Lutz, pelo laboratório Cemic e pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental do Estado de São Paulo (Cetesb). De acordo com o relatório, o exame revelou que a água estava contaminada com níveis 11 vezes superiores ao permitido pela legislação brasileira.
Um novo levantamento de 2001 na área da empresa, que já era a Basf (a terceira e última proprietária), revelou valores expressivos de contaminação. Ainda segundo o relatório, a prefeitura de Paulínia contratou, em 2001, o laboratório da Universidade Estadual Paulista (Unesp) para fazer exames nos moradores. O relatório afirma que 156 moradores (86% deles) tinham ao menos um tipo de resíduo tóxico, em 88 desses, o quadro clínico era de intoxicação crônica, 59 apresentavam tumores hepáticos e de tireóide e 72 estavam contaminados por drins – banidos pela ONU por serem associado à incidência de câncer e as disfunções do sistema reprodutor, endócrino e imunológico. Das 50 crianças de até 15 anos, 27 manifestaram contaminação crônica. O relatório afirma que a empresa contratou um médico da Unicamp e, segundo a sua avaliação, nenhum dos moradores apresentava qualquer problema.
Em dezembro de 2001, a justiça do estado de São Paulo determinou que a Shell removesse os moradores das 66 chácaras do Recanto dos Pássaros. Em seguida, de acordo com o relatório, a empresa começou a comprar parte das 66 chácaras. Já os 844 empregados da época constituíram uma associação de ex-trabalhadores da Shell. Preocupados, a partir de 2001passaram por processos de avaliação tanto determinados pela Shell como pelo sindicato já que não houve acordo para se constituir uma junta comum. De acordo com o relatório, alguns prontuários dos funcionários sumiram.
Em dezembro, a Basf, última proprietária do local, depois de decidir que fecharia a fábrica começou a demitir os funcionários. Em novembro uma equipe do Ministério do Trabalho Estadual e do Ministério Público do Trabalho esteve no local. As duas equipes concluíram que existia risco grave e eminente à saúde dos trabalhadores.
Em nota enviada à Agência Carta Maior a assessoria de imprensa da Shell afirmou que lamenta não ter sido procurada pela Plataforma Brasileira de Direitos Humanos, Econômicos, Sociais e Culturais (DhESC), porque poderia fornecer importantes esclarecimentos sobre o assunto. E que mesmo assim, ao tomar conhecimento pelos jornais de que o referido documento seria oferecido à Organização das Nações Unidas (ONU), a empresa procurou aquela autoridade internacional para colaborar com os necessários esclarecimentos sobre o assunto.
Adélia Chagas – 28/4/2003
Da Agência de Notícias Carta Maior