O suicídio de um jovem desempregado que teve sua barraca de frutas confiscada pela polícia e a divulgação pelo site Wikileaks de documentos do governo americano sobre a corrupção do governo na Tunísia deram inicio a uma revolta que terminou com a queda do ditador Ben Ali.
A internet ajudou a organizar os protestos e também espalhou a noticia pelos outros países da região. Um sentimento de inconformismo tomou conta de jovens que desde que nasceram convivem com os mesmos e corruptos governantes.
Na Tunísia, o movimento que ficou conhecido como Revolução de Jasmim, derrubou o governo após 23 anos de ditadura. No Egito, os protestos mobilizam milhões de pessoas, bem como no Iêmen e na Jordânia surgem os primeiros protestos.
Para falar sobre a crise que toma conta do Oriente Médio, uma região de conflitos seculares e assombrada por radicais islâmicos, mas que pela primeira vez em muitos anos vê uma luz no fim do túnel, o Jornal do Unificados entrevistou o professor, jornalista e cientista político Igor Fuser (foto acima).
Com passagens pelas principais publicações brasileiras, Fuser é doutorando em Ciências Políticas pela Universidade de São Paulo (USP), docente na Faculdade Casper Líbero e Fundação de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), membro do Conselho Editorial do Brasil de Fato e do jornal Le Monde Diplomatique Brasil.
ENTREVISTA
Na Praça Tahrir, no Cairo, capital do Egito milhares
de manifestantes contra o ditador Mubarak (foto AFP)
Derrota dos Estados Unidos
Jornal do Unificados – Grande parte dos analistas afirma que os protestos na Tunísia e Egito foram organizados principalmente por jovens desempregados. O senhor concorda com essa avaliação?
Fuser – Um fato que chama atenção, tanto no Egito quanto na Tunísia, é que os protestos não foram organizados pelos partidos tradicionais, mas isso não significa que foram totalmente espontâneos. Um papel destaque foi exercido, nos dois países, por movimentos sociais organizados, grupos de ativistas, pequenos partidos de esquerda — enfim, uma infinidade de atores políticos que a mídia empresarial costuma desprezar…
Jornal do Unificados – Muitos temem que os movimentos levem a regimes radicais islâmicos. Existe essa possibilidade? Qual é a participação efetiva dos grupos islâmicos?
Fuser – As revoluções políticas em curso no Egito e na Tunísia desmentem a ideia simplista de que o islamismo fundamentalista é a única alternativa aos regimes laicos autoritários. Nos dois países o que está mobilizando as multidões são objetivos situados no plano secular, bandeiras como a democracia e a justiça social. As correntes políticas islâmicas, até agora, têm exercido um papel secundário nesse processo. No caso do Egito, especificamente, cabe ressaltar que a organização político-religiosa mais importante, a Fraternidade Muçulmana, faz questão de abdicar de qualquer protagonismo, consciente de que qualquer indício de radicalização religiosa no Egito poderia provocar uma reação negativa muito forte por parte das potências ocidentais, especialmente os Estados Unidos (EUA).
Jornal do Unificados – Os países ocidentais, em especial os Estados Unidos, aliados Mubarak, foram pegos de surpresa?
Fuser – Totalmente. Os governantes do chamado “Ocidente”, assim como a mídia convencional, estavam acostumados com a passividade dos povos árabes sob regimes tirânicos. Esse é o comportamento típico dos políticos e dos intelectuais acomodados à ordem capitalista. Eles sempre se mostram céticos quanto à capacidade de os povos se rebelarem contra a injustiça. Ocorreu o mesmo na América do Sul, recentemente, na década de 1900, com as rebeliões dos indígenas da Bolívia e do Equador contra os governos neoliberais, ou quando os argentinos saíram às ruas para derrubar os governantes que aplicavam a receita econômica do Fundo Monetário Internacional (FMI), em 2001.
Jornal do Unificados – Existe a possibilidade das revoltas provocarem uma reação em cadeia e chegarem a outros países da região?
Fuser – Um vento de mudança e inconformismo está atravessando todo o mundo árabe. Ainda é prematuro avaliar sua dimensão e consequências. Mas o exemplo da Tunísia, e em seguida do Egito, está encorajando movimentos de protesto no Iêmen, na Jordânia e em outros países onde as condições políticas e sociais são semelhantes.
Jornal do Unificados – Em 2006, após a vitória do Hamas no Líbano, os EUA pararam de apoiar a democratização dos países do Oriente Médio. Qual será a posição a ser tomada pelos norte-americanos agora?
Fuser – O governo dos EUA nunca defendeu efetivamente a democracia no Oriente Médio, nem em nenhuma outra parte do mundo. A palavra “democracia”, para os formuladores de política externa estadunidenses, é apenas um instrumento retórico para justificar as ações empreendidas contra seus adversários, como o Iraque de Saddam Hussein e agora o Irã dos aiatolás. Os regimes que se tornaram alvo de rebeliões populares, como o da Tunísia e o do Egito, se incluem entre os principais aliados dos EUA no Oriente Médio. Sua queda é uma derrota para os EUA. Mas é claro que os EUA farão todo o possível para se adaptar às novas circunstâncias, procurando influir na formação dos novos governos e limitar o alcance das mudanças, de modo a garantir seus interesses geopolíticos na região.
Jornal do Unificados – O Irã pode exercer alguma influência política nesses países? Como o regime de Ahmadinejad vê esses protestos nos países vizinhos?
Fuser – A influência do Irã é absolutamente nula, inclusive pelo fato de que em todos esses países a população, na sua quase totalidade, segue a vertente sunita do islamismo, enquanto os iranianos são xiitas.