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Europa tem greves e mobilização contra a crise em 23 países. Veja 21 fotos

 

Texto e fotos de Folha de São Paulo e Portal Uol
Clóvis Rossi – Enviado especial à Espanha

A greve geral na Espanha e em Portugal e as manifestações convocadas pelos sindicatos em 23 países europeus, no dia 14 de novembro, terminaram como começaram: com uma expressiva demonstração de mal-estar social que, no entanto, os governos não escutam. Um diálogo de surdos, em resumo.

Antes mesmo de uma impressionante massa ocupar os 2.600 metros que separam a praça de Colón da estação de Atocha, no centro de Madri, o ministro espanhol de Economia, Luis de Guindos, já decretava: “O plano do governo é a única alternativa”.

Rebatia Judith Kirton-Darling, da Confederação Europeia de Sindicatos, promotora do “dia de mobilização e ação social” levado a cabo em 23 dos 27 países da União Europeia: “As políticas de austeridade estão aumentando as desigualdades e a instabilidade social e não estão resolvendo o problema econômico”.

A sindicalista tem certamente razão quanto aos dois primeiros pontos que menciona, do que dão prova dados do próprio dia da mobilização, relativos à Grécia e a Portugal.

Neste último país, o desemprego no terceiro trimestre subiu para o recorde de 15,8% porque mais 44 mil pessoas juntaram-se aos sem emprego. Na Grécia, a economia retrocedeu 7,2% no terceiro trimestre, na comparação com o mesmo período de 2011, declínio mais acentuado do que os 6,3% do trimestre anterior.

O ministro Guindos, no entanto, não deixa de ter razão, ao afirmar que não há alternativa à austeridade adotada em toda a Europa: os governos dos países endividados perderam o controle de suas finanças e estão condenados a seguir o receituário ditado principalmente pela Alemanha se pretendem evitar a quebra.

O que torna dramática a situação dos países em dificuldades como Portugal, Espanha e Grécia é o fato de que nem a dívida nem o deficit público que a alimenta estão sendo reduzidos na proporção esperada.

A Espanha, por exemplo, ainda terá um deficit de 6,4% de seu PIB em 2014, em vez de reduzi-lo ao patamar de 3%, que é o limite máximo permitido pelos tratados que criaram o euro.

Nesse cenário, o acatamento à ordem de greve foi até moderado, se comparado com a greve anterior, em março. Um dado: o consumo de energia elétrica, reflexo do nível de atividade, caiu na Espanha 12,5%, três pontos percentuais menos do que em março.

Em Portugal também havia menos gente cercando a Assembleia da República do que na manifestação de setembro contra a chamada troica (Banco Central Europeu, Comissão Europeia e Fundo Monetário Internacional, xerifes da economia).

Os sindicalistas espanhóis não esperavam mesmo que o governo os ouvisse. Tanto é assim que, primeiro, decidiram estender a manifestação no centro, iniciada por volta de 18h30 (15h30 em Brasília), até a manhã de hoje, quando tomará a forma de uma vigília diante das Cortes, o Parlamento espanhol.

Depois, pretendem discutir se e como promover um referendo sobre as políticas de austeridade.

“São rejeitadas em massa pela população”, antecipa desde já Cándido Méndez, secretário-geral da UGT (União Geral de Trabalhadores), uma das que organizaram o protesto de ontem.

Paralisação na Espanha é marcada por choques

Luisa Belchior – Colaboração para a FSP, em Madri

A Espanha encabeçou as greves de ontem (14/11/12) na Europa com uma paralisação generalizada, a segunda sob a gestão do primeiro-ministro conservador Mariano Rajoy em menos de oito meses.

O país teve o maior número de setores parados, com adesão de 76% dos trabalhadores, segundo os sindicatos. Ao menos 142 pessoas foram detidas em manifestações.

Em Madri e em Barcelona, houve fortes enfrentamentos entre manifestantes e policiais. O principal deles aconteceu no início da noite na capital catalã, onde policiais dispararam tiros de borracha contra manifestantes.

Também na Catalunha, em Tarragona, dois policiais agrediram um menino de 13 anos que acompanhava seus pais com golpes de cassetetes.

“Estamos lutando para que nossos filhos tenham acesso a direitos sociais que nossos pais levaram 40 anos para conseguir”, disse a administradora Pilar Asunción, 43.

Os manifestantes exigiam que o governo modificasse sua proposta de Orçamento, que contém cortes severos em setores como saúde e educação. O governo declarou no fim do dia que não mudará suas propostas – ontem aprovadas na Câmara dos Deputados.

A maior concentração aconteceu em Madri no fim da tarde, quando cerca de 1 milhão de pessoas, segundo os organizadores, protestaram no centro da capital. Apesar da adesão alta de trabalhadores, a greve de ontem teve menos participantes que na última paralisação, em março.

A avaliação de analistas e sindicatos ouvidos pela Folha é que, com mais desempregados e menos pessoas trabalhando, o número de paralisações computadas também caiu. Mesmo assim, sindicatos classificaram o dia como um marco na união dos europeus contra a austeridade.

O setor de indústrias foi o que mais aderiu à greve, seguido por transporte e comércio. Cerca de 90% das fábricas fecharam as portas. Entre os transportes, 50% da rede ferroviária não funcionaram, e 232 voos que saíam de aeroportos espanhóis foram cancelados – um deles para São Paulo.

No Parlamento, 30 deputados aderiram à greve, a maioria de partidos minoritários de esquerda, e dez deputados socialistas levantaram cartazes pró-greve durante sessão.

Crise capitalista é de relações do trabalho, diz sociólogo do ócio

Jornal Valor Econômico – 16 de novembro de 2012

A crise de 2008 mostrou ao mundo os paradoxos do capitalismo e apontou a necessidade de mudança nas relações de trabalho se os países quiserem diminuir seus efeitos, como o desemprego recorde entre jovens. Essa é a visão do sociólogo italiano Domenico De Masi, que visitou o Brasil recentemente e se mostrou pessimista com os arranjos feitos até agora para superar a crise.

Para ele, o cenário atual nas economias desenvolvidas é resultado não apenas da quebra do sistema financeiro em 2008: com o progresso científico, as pessoas terão de trabalhar menos horas para que a desocupação não atinja níveis insustentáveis socialmente. “Cria-se uma massa cada vez maior de pessoas com o direito de consumir, mas sem o direito de produzir. Vivemos em um modelo de produção baseado na sociedade industrial do século passado, enquanto a vivência e a dinâmica são de uma nova sociedade, a pós-industrial.”

Mais que os agentes econômicos, De Masi acredita que a parcela maior de culpa pelas pequenas perspectivas de mudanças no cenário atual é dos intelectuais, que não têm apresentado novos modelos para o mundo. Nesse caso, o Brasil pode se aproveitar dessa crise de intelectualidade. “Vocês copiaram o modelo europeu por 450 anos e o americano por 50 anos. Agora que eles estão em crise, quem vão copiar? Não adianta usar as mesmas técnicas de marketing, por exemplo, para vencer os americanos. É necessário ideias originais que outros não possuem para poder vencer”, disse o pensador.

ENTREVISTA

A entrevista é de Rodrigo Pedroso e publicada pelo jornal Valor Econômico, em 16 de novembro de 2012.

Sua análise sobre a atual crise diz que ela teve origem nos Estados Unidos em função do excesso de consumo aliado à desigualdade crescente de salários e à falta de freio aos bancos. Qual a perspectiva para a resolução dela?

O capitalismo tem suas regras e para sobreviver ele precisa respeitá-las. Algumas vêm de teorias econômicas, outras de uma visão utópica. A primeira visão utópica é que pode haver crescimento infinito. A segunda é que o crescimento infinito pode ser obtido apenas se houver concorrência de todos contra todos. A terceira é que, além do crescimento infinito, há a possibilidade de consumo infinito. E para obter isso, o capitalismo tem suas técnicas. As empresas fazem com que as necessidades nasçam por meio da publicidade, os bancos financiam a compra dos bens e dos serviços para satisfazer essas necessidades induzidas e as indústrias criam objetos cada vez mais obsoletos para acelerar o consumo. Outra regra: para o sistema funcionar bem é preciso distribuir bem a riqueza, de forma que o consumo se expanda.

A riqueza gerada pelo trabalho também entra nesse conjunto de regras do capitalismo?

É preciso que a fonte da riqueza do trabalho seja bem distribuída, assim como a distribuição do poder seja melhor. Já que o trabalho depende da atividade intelectual, também é necessário distribuir bem o conhecimento. Quando isso acontece, temos a distribuição justa das oportunidades. Essa é a estrutura sobre a qual o capitalismo se sustenta para poder crescer.

Mas nos últimos anos verificou-se a concentração desses fatores no mundo desenvolvido…

Vamos ver o que aconteceu na verdade: estamos percebendo que o crescimento não pode ser infinito. Por exemplo, podemos comprar um carro, dois, três, mas não infinitos. É assim para as outras coisas, pois os objetos são feitos com matérias primas que são finitas. O segundo paradoxo do capitalismo é que a riqueza não se distribui de forma igual e justa, mas agrega-se cada vez mais na mão de poucas pessoas se não existe regulação. Quando a riqueza se agrupa em poucas pessoas o consumo cai. E se o consumo diminui, o mercado encolhe. Na Itália, por exemplo, dez pessoas ganham o mesmo do que 3 milhões de pessoas. Dez pessoas consomem como dez e não como 3 milhões. Outro elemento atual de contradição é que os bancos comercializam mais do que a riqueza real. Atualmente, o valor monetário do mundo financeiro é quatro mil vezes maior do que o produzido fisicamente. Esse sistema não se sustenta no tempo. Quando ele se rompe, há crises como a de 2008, que quando acontecem os agentes mais fortes da economia jogam os efeitos nocivos sobre os mais fracos.

Nesse contexto, o sr. diz que o progresso tecnológico também tem peso em tempos de crise.

É outro paradoxo do capitalismo: ele vive de inovação, progresso. E o progresso tecnológico elimina o trabalho. Se o progresso elimina o trabalho, significa que o bolo do trabalho não apenas não cresce, mas diminui. Quando esse bolo diminui, aumenta o número de pessoas que querem comer esse bolo. Então o caminho seria o de reduzir as porções do bolo que cada um come para assegurar o trabalho. Mas não fizemos isso. Na medida em que se reduz o número de postos de trabalho, os pais fazem jornadas de dez horas e os filhos ficam desempregados. Esse tipo de desemprego é o mais grave no mundo hoje em dia. Na Itália, 30% dos jovens estão sem emprego. Na Espanha, 50%. Nos Estados Unidos, 16%. É a percentagem mais alta da história. Neste momento, na Itália, há 2 milhões de jovens que não trabalham ou estudam. E eu projeto que em 2025 esse número suba para 5 milhões. Ou seja, cria-se uma massa cada vez maior de pessoas com o direito de consumir, mas sem o direito de produzir.

Como resolver tantos paradoxos, então?

É necessário rever totalmente o modelo da nossa sociedade, com a redistribuição de algumas coisas. É necessária a redistribuição da riqueza, pois ela está em poucas mãos; do trabalho, pois há desempregados demais; do poder, pois poucas pessoas mandam em muitos lugares; do saber, pois há pessoas com duas, três faculdades, e outras analfabetas; das oportunidades, pois alguns têm oportunidades demais e outros, de menos. Não se trata de fazer muitas pequenas reformas, mas, sim, de inventar um modelo completamente novo para a sociedade.

Caminhamos no sentido de mudar o modelo atual?

Não acredito, mas é necessário que isso seja feito. Foram sempre os intelectuais que pensaram os novos modelos. O cristianismo foi criado por Jesus, que era um intelectual. O comunismo por Marx. O capitalismo foi pensado por Adam Smith, Tocqueville, Montesquieu. O Iluminismo por Voltaire, Diderot, D’Alembert. Esse é um momento em que os bancos e os políticos carregam muitas culpas, assim como economistas e empreendedores. Mas a culpa maior é dos intelectuais, que não estão propondo nada novo. Os prêmios Nobel de economia não mostram grandes novidades. O que foi apresentado pelos vencedores? Pequenas invenções. Não há desejo de inventar um modelo iluminista da sociedade. Hoje é necessário criar um modelo pós-industrial para a sociedade, pois temos um modelo industrial de produção aplicado a uma realidade e dinâmica pós-industrial.

Esse momento de descompasso é o que causa conflitos individuais, como estresse, pouco tempo para o lazer etc, e coletivos, como crises com poucas perspectivas de superação e apatia política?

Não acredito que seja necessário um Marx ou um Weber hoje em dia. Passamos por uma época em que a cultura era criada por poucos para poucos. Por exemplo, Mozart compôs sinfonias para poucos: os aristocratas. Passamos depois a uma fase de transmissão de cultura de poucos para muitos graças à mídia. De repente, Mozart era escutado por milhões de pessoas. Agora, pela primeira vez passamos para uma produção de cultura de muitos para muitos. Quem escreve a Wikipédia? Milhões. Quem a usa? Milhões. Temos que criar modelos onde milhões criam para milhões.

Então seriam necessários muitos de intelectuais com grandes ideias para essa mudança…

Participei de um seminário em que estava um economista brasileiro importante. Perguntei a ele por que os intelectuais do Brasil não criam um modelo brasileiro, já que o país copiou a Europa por 450 anos e os Estados Unidos por outros 50. As escolas brasileiras de negócios, finanças e marketing são todas copiadas dos americanos, por exemplo. Nos anos 1970 funcionava. E agora que eles estão em crise? O executivo brasileiro aprende a gestão americana porque acha que vai entrar no grupo dos americanos. Não vai. Se ele usar o método dos americanos, nunca vai conseguir vencê-los. É preciso ideias originais para poder ultrapassá-los ou obter uma vantagem competitiva importante.

De acordo com a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), as horas trabalhadas por pessoa por ano na média dos países membros estão diminuindo desde 2000. Por que se trabalha menos, mas a sensação das pessoas é a de que a carga de trabalho aumentou?

Essa estatística é feita como? Pela média?

Sim.

Essa média se refere apenas à população empregada, não levando em conta o efeito do desemprego. Imaginemos que o pai trabalhava antes 12 horas e o filho oito. Hoje o pai trabalha dez e o filho está desempregado. Diminuiu o número de horas, mas o pai continua trabalhando muito. Por isso essa sensação.


No livro “O Futuro do Trabalho”, o sr. diz que o desenvolvimento tecnológico e a sociedade pós-industrial abrem espaço para a criação de uma sociedade baseada mais no saber como capital produtivo para as empresas do que na produção em massa. Passados 13 anos, o que o sr. mudaria no livro e o que se concretizou?

Tudo o que escrevi aconteceu. Eu disse: “Se não for reduzida a quantidade de trabalho individual, veremos que quem continuar empregado trabalhará muito enquanto outros estarão desempregados; se o progresso tecnológico não for acompanhado da redução do trabalho, aumentará o número de desocupados; se não fizermos o teletrabalho, o trabalho sem base fixa, as cidades ficarão paralisadas”. Levei quatro horas para ir do aeroporto de Guarulhos até a Avenida Paulista. Isso é uma loucura. Por que levei tanto tempo? Porque milhares de pessoas tentavam se deslocar para o trabalho. Isso é um desperdício enorme no capitalismo. Ganha a montadora Fiat, mas perde toda a sociedade.

Já que não há mostras de uma mudança automática de um modo de produção industrial para um pós-industrial, como induzi-la?

Acredito que a sociedade pós-industrial pode ser mais bela, rica e justa do que a industrial, mas depende de nós. Há oportunidades para isso, mas não é uma fatalidade, algo que necessariamente vá acontecer. Minha geração não conseguiu modificar a sociedade porque vivemos muito tempo no modelo industrial. Por exemplo, vivemos tempo demais em uma sociedade analógica. Não somos capazes de viver na sociedade digital. Os jovens nasceram já na sociedade digital e devem usar isso. Para a minha geração é difícil entender o teletrabalho, porque vivi em um modo único de sociabilização: o do escritório. O jovem não. Ele vive mais livre, pode se sociabilizar na internet, no restaurante, no bar. Não há a necessidade de ir ao escritório para produzir. Esse tipo de mudança de paradigma de trabalho é o que dá uma nova perspectiva para o futuro, para as mudanças nas relações.

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